Artigos de opinião, Curadoria Japão

Das guerras, queda à ascensão: a reestruturação dos pós-guerras e o milagre econômico.

Redação e análise crítica por: Gisele Yamauchi
Revisão especializada por: Angélica Alencar, Paula Michima, Maurício Luiz Borges
Ramos Dias e Thomas Dias Placido.

Imagem 1: Fotografia de domínio público: Japan in ruins, 28 sep 1945. Fotografo desconhecido. Disponível em: <https://ww2db.com/image.php?image_id=20711>

Imagem 2: Fotografia de domínio público. Expansive Tokyo metropolis with buildings towers, and cityscape, in Japan. Fotografia de Daryan Shamkali. Disponível em: <https://www.goodfreephotos.com/expansive-tokyo-metropolis-with-buildings-towers-and-cityscape-in-japan.jpg.php>

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Japão apenas atuou no continente asiático, preocupando-se em dominar as possessões alemãs na China e no Pacífico, ampliando assim a sua presença na região (HOBSBAWM, 2015). Mesmo diante da expansão imperial e militar japonesa, ao término do conflito, o país alcançou um grande crescimento e desenvolvimento industrial por meio do aumento das exportações de suprimentos necessários para a manutenção da guerra de seus aliados europeus. Entretanto, a intensificação de capital para o Japão, somada aos problemas de fornecimento de seu principal alimento – o arroz, conduziu rapidamente o país para um processo de inflação nas vilas e cidades japonesas. Ademais, a nação pouco se beneficiou do Tratado de Versalhes realizado em 1919, principalmente por conta da inserção da cláusula de igualdade racial negada pelos governos britânicos e estadunidense, tendo em vista que ambos estavam com políticas anti-imigração de “amarelos” (MOURA, 2021).

Contudo, segundo Hobsbawm (2015), já é sabido que o Tratado de Versalhes não conduziu o mundo à paz e, sim, foi uma ponte para a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nesse processo, as forças de extrema direita e de militares que estavam no poder no Japão conduziu ao que alguns historiadores chamaram do fascismo japonês, entre 1930 e até o final da Segunda Guerra Mundial. Além disso, no período que antecede a Segunda Guerra Mundial, a industrialização avançou de modo acelerado e, não obstante, o país enfrentou a escassez de recursos naturais necessários para mover adiante o seu desenvolvimento, cujo acesso estava sujeito às interferências da marinha estadunidense, conforme descrito em mais detalhes a seguir. A crise financeira em Nova Iorque, nos Estados Unidos, de 1929 – que se espalhou para o mundo todo, também não tardou em chegar na Ásia – o que também aprofundou os problemas econômicos já existentes no Japão, tais como a queda brusca dos preços de produtos como a seda japonesa e o arroz. Ao mesmo tempo, pressões externas como as interferências da marinha e à mercê ao mercado estadunidense permaneciam, que em conjunto com o grande apetite econômico e de contínuo crescimento da força militar e naval japonesas não tardou a surgir ideias de que a única forma de suplantar as limitações impostas seria através de uma guerra rápida (HOBSBAWM, 2015).

Nesse sentido, entre 1936 e 1939, foram assinados vários tratados entre a Alemanha, Itália e o Japão, mas a conformação do eixo entre as três nações ocorreu em 1940. De fato, Hobsbawm (2015) afirma que a ampliação do poder do eixo Berlim, Roma e Tóquio por intermédio da ocupação nipônica no Sudeste Asiático foi classificada como um episódio intolerável pelos Estados Unidos, que aplicaram um grande embargo econômico ao Japão e ocongelamento de bens. Isso dificultou de forma significativa o acesso aos bens necessários parao abastecimento da nação oriental por meio do comércio marítimo – conduzindo a um conflito inevitável.

Apesar de todo o esforço estadunidense em se manter fora da guerra, o ataque japonês a Pearl Harbour em 1941, além de fazê-lo entrar na Guerra, acabou tornando-a mundial. Em que pese toda a importância dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, não iremos esboçá-los detalhadamente, iremos direto à conclusão dela. Como já é sabido, a Alemanha, a Itália e o Japão perderam a Guerra. Contudo, os custos desse conflito elevaram-se a patamares jamais vistos pela humanidade, da capacidade destrutível atingida pelos ataques atômicos às cidades de Hiroshima e Nagasaki. Além disso, houve um grande ressentimento de famílias inteiras diante da perda de entes queridos, dos deslocamentos de pessoas no mundo, entre outros infortúnios causados pela Guerra.

Entretanto, o mundo estaria muito longe da paz, pois antes mesmo do término da Segunda Guerra Mundial, o Sistema Internacional já estava novamente dividido entre as forças sob o domínio capitalista dos Estados Unidos e o socialista da União Soviética com seus aliados, em Potsdam na Alemanha em 1945 – inaugurando a Guerra Fria. A crescente polarização entre os dois países, novamente levou à formação de novos grupos de aliados, contudo, dessa vez, ironicamente os países perdedores foram beneficiados. O objetivo e o comportamento das forças aliadas vencedoras da Segunda Guerra Mundial era de reduzir significativamente os poderes dos alemães, dos italianos e dos japoneses – conduzindo-os à subordinação. Isto é, diante da ameaça do avanço das ideias socialistas, tanto na Europa, quanto no Japão, esses países tiveram de ser assistidos pelos Estados Unidos, como forma de conter a União Soviética. Lançado em abril de 1947, o Plano Marshall além de injetar à fundo perdido US$ 12,6 bilhões 2 distribuídos em países europeus (Alemanha, França, Inglaterra, entre outros) e no Japão, serviu como um instrumento de reconstrução dessas nações destruídas pela Segunda Guerra Mundial. O Japão, mesmo passando pelo processo de ocupação estadunidense até 1952, quando foi assinado o Acordo de Paz de São Francisco, também, foi grandemente beneficiado pelo plano. 

Segundo Moura (2021), o Plano Marshall também foi uma das novas janelas de oportunidade de desenvolvimento que foram abertas pelo governo estadunidense para que esses países pudessem se reerguer. Ademais, as políticas de cunho protecionistas foram abrandadas, assim, os acordos de joint venture com empresas estadunidenses puderam ser efetuados, o que contribuiu com o aprendizado industrial e tecnológico pelos países europeus e pelo Japão.

A aliança contra as políticas da União Soviética também se delineou com o status de
parceiro principal pelos Estados Unidos, servindo de garantia de inserção no comércio internacional dos produtos europeus e japoneses (MOURA, 2021). No caso japonês, Goldsmith (1983) aponta que, entre 1953 e 1964, com o crescimento na participação no comércio internacional, o Japão reverteu os seus déficits em superávits na balança de pagamentos, que, juntamente com a Alemanha Ocidental, elevaram o patamar de competitividade econômica.

A reconstrução do modelo capitalista exigia uma construção pactuada entre Estados e as classes de cada um desses países diante da ameaça socialista pela União Soviética, demandando um acordo entre as classes sociais. Destarte, surgiu o processo de pactuação entre as classes sociais nos países europeus e no Japão, que consistia na concessão de direitos trabalhistas, do pagamento de melhores salários, do acesso à educação e saúde universais e da criação da seguridade social. Essas concessões estabelecidas delinearam o padrão e o modelo de desenvolvimento dos países do hemisfério norte (HOBSBAWM, 2015).

Como consequência, esse conjunto de ações permitiu um rápido crescimento econômico por meio do catch-up tecnológico e desenvolvimento social ocasionados pela ascensão das indústrias europeias e japonesas durante as décadas de 1960 e 1970. Para ter ideia desse crescimento, Sadahiro (1991) e Moura (2021) afirmam que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) japonês entre os anos de 1955 e 1973 teve uma média anual de 10% e chegando a ser o terceiro maior PIB mundial em 1968.

A rápida incorporação tecnológica e o adensamento industrial tiveram uma grande participação do capital do Estado, que promoveu o financiamento e criou vários planos econômicos de crescimento em um curto espaço de tempo no Japão podem ser vistos a partir da Tabela 1, a seguir: 

Observa-se que a indústria que requereu maior nível tecnológico foi o setor de produção de máquinas, que cresceu significativamente. Entretanto, a indústria pesada também ascendeu ao atender aos setores de construção civil, automotiva (desde automóveis até autopeças), aeronáutica e marítima (para a construção de aeronaves e embarcações), entre outros. Essa incorporação também compreendeu a indústria de eletroeletrônicos, cujas empresas japonesas produziam desde simples equipamentos de relógios, rádios, calculadoras digitais, entre outros produtos durante as décadas de 1960 e 1970, evoluindo a produção para produtos como microcircuitos eletrônicos, chips, entre outros entre as décadas de 1980 e 1990 (MOURA, 2021).

Contudo, o milagre econômico japonês alcançou o seu ápice no final da década de 1980 e se arrastou pela década de 1990. Tentando desinflar a especulação no mercado financeiro e imobiliário, e manter a inflação sob controle, diante da bolha especulativa criada pelo grande e rápido crescimento econômico. Koo (2011) aponta que o sistema econômico japonês se alimentou de uma bolha especulativa de grande escala nos setores financeiro e imobiliário. Contribuiu, também, para a formação dessa bolha a relação estreita na obtenção de crédito que havia entre as corporações japonesas e o sistema bancário, mesmo diante da falta de qualidade nos investimentos pelas empresas.

Como medida política para acabar com a especulação, o Banco Central Japonês aumentou a taxa de juros em 1989, que além de aumentar o valor das dívidas das empresas e das pessoas, ocasionou o estouro da bolha, desencadeando uma crise econômica nacional. Diante desse cenário, muitas empresas passaram a ter dívidas insustentáveis – o que levou a inúmeras falências. Como os bancos japoneses estavam comprometidos com as empresas sem qualidade nos investimentos, muitos caíram com enormes dívidas, fazendo com que o governo japonês os socorresse, injetando capital neles para evitar maiores estragos da crise, que se arrastou por toda a década de 1990, conforme Gráfico 1, abaixo:

A crise provocada pelo excesso de liquidez no Japão, somadas aos socorros promovidos pelo governo japonês, contribuíram com a elevação de 240% do valor da dívida em relação ao PIB (KOO, 2011). Segundo dados do Banco Mundial (2023) no Gráfico 1, o PIB japonês apresentou sucessivas quedas entre os anos de 1995 e 1998, transformando-se na década perdida japonesa, cujos reflexos ainda são sentidos na economia do país. 

Esse foi o segundo artigo de opinião da série de três artigos, que buscou esboçar e resgatar de uma maneira bem sintética o período da história do Japão desde o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) até o período da Grande Crise Econômica Japonesa da década de 1990.

Referências  

GOLDSMITH, Raymond. The Financial Development of Japan, 1868-1977. New Haven: Yale University Press, 1983.  HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

KOO, Richard C. The holy grail of macroeconomics: Lessons from Japan’s great recession. Singapore: John Wiley & Sons, 2011.

MOURA , Rafael. Industrialização, desenvolvimento e emparelhamento tecnológico no leste asiático: os casos de Japão, Taiwan, Coreia do Sul e China. Rio de Janeiro: INCT/PPED; CNPq ; FAPERJ ; CAPES; Ideia D , 2021.

SADAHIRO, Akira. The Japanese Economy During the Era of High Economic Growth: Retrospect and Evaluation. Economic Planning Agency, 1991. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/The-Japanese-Economy-during-the-Era-of-HighGrowth-Sadahiro/50e5dda1eaf5897dc8c10734ac41416147dea9e2. Acesso em: 17 jun. 2023. 

TRADING ECONOMICS BANCO MUNDIAL. Base de dados Japan – GDP Growth 1980 – 2010. Trading Economics, 2023. Disponível em: https://tradingeconomics.com/japan/gdpgrowth-annual-percent-2010-wb- data.html. Acesso em: 20 de julho de 2023.

Notas

  1. Esse é o segundo volume de um conjunto de três textos.

2. Esse valor de US$ 12,6 bilhões, convertidos até o mês de abril de 2022, equivalia ao valor de US$ 158,4 bilhões (BLS, 2022).

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