Marcela Linhares
Estudante de História da Arte – UFRJ
TAKE ONE: MULHERES ASIÁTICAS NA CINEMATOGRAFIA
A representatividade de mulheres no meio de direção de filmagens existe, de forma documentada, desde meados de 1930. Contudo, de acordo com relatos e registros, a direção feminina de um filme pode ter ocorrido antes, visto que as mulheres produziam de forma anônima para não ter sua filmagem interrompida pelos parâmetros patriarcais da época. Entretanto, a partir da década de 1970, no leste asiático, com o mercado de materiais cinematográficos circulando nos países a custo mais barato, surgiu uma intensa quantidade de cineastas femininas. Atualmente, os desdobramentos desse período abriram portas para as mulheres conquistarem cada vez mais seu espaço no cenário do audiovisual.
Com o passar do tempo, e com as transformações midiáticas em relação ao seu foco de produções, o público ocidental atualmente está abrindo caminhos para explorar o cinema asiático. Apesar de ainda sofrer preconceitos na visão eurocêntrica e hollywoodiana que é popularizada como fórmula do sucesso, o cinema da Ásia existe há muito tempo, com tanta diversidade e roteiros bem feitos quanto os encontrados pelo mundo.
A forte influência e ligação com os Estados Unidos têm ampliado e ajudado a geração de cineastas mulheres de descendência asiática, incluídas as que, por motivos pessoais, acadêmicos ou familiares, foram morar no exterior norte americano.
Acrescentando às transformações que o mundo cinematográfico tem sofrido, podemos citar a direção feminina ganhando mais espaço em meio ao mundo misógino e predominantemente masculino da direção de filmes. O intuito deste artigo é, portanto, apresentar, de forma breve, mulheres asiáticas na direção de filmes que carregam valores importantes para questões sociais ou pessoais. Revelando, então, grandes nomes femininos para o cinema e cultura de seus respectivos países.
Como exemplo, temos o início de carreira de Takuzo Sakane (1904-1975), considerada a primeira diretora japonesa. Segundo registros, ela começou seus trabalhos como assistente do diretor Kenji Mizoguchi, sendo isso a ponta do iceberg de sua jornada no cinema, desenvolvendo filmes cujo nome foi associado ao diretor.
E falando sobre outra história de cinema, temos a de Olga Preobrazhenskaya (1881-1971). De atriz, trabalhando em filmes como “The Keys to Happiness” (1913), tornou-se pioneira do cinema soviético ao se interessar pela direção cinematográfica, produzindo então a sua obra mais famosa, “Women of Ryazan” (1927).
Além disso, há casos que contribuíram para a expansão de filmes estrangeiros no grande lado ocidental, como o de Esther Eng (1914-1970) nascida nos Estados Unidos, porém de família asiática, que foi a primeira diretora de cinema a trazer filme com linguagem chinesa/cantonesa ao país americano e, desta forma, iniciou a divulgação de filmes chineses em Hollywood com seu trabalho “Golden Gate Girl” de 1941, o qual explodiu de sucesso em ambos os países.
TAKE TWO: FESTIVAIS DE CINEMA ASIÁTICO
A indústria cultural é um fator que transforma, acrescenta e compartilha fatores que colaboram para a disseminação cultural que determinada região produz, a fim de distribuir essa gama de realizações e destruir as barreiras da soberania cultural, que às vezes, são impostas sobre as outras.
Um dos principais fatores dessa indústria é a arte, que utiliza a linguagem do cinema para a comunicação no sentido de, por exemplo, intervir socialmente ou construir uma ligação comportamental e intelectual com a cultura de um povo para a sociedade em geral. A então indústria cinematográfica, principalmente na Ásia, carrega um leque de variedades de composição de pensamentos que permitiu a produção de filmes que não se limitam apenas a uma área de foco cultural. Essa variedade gerou uma divisão bastante diversificada para produção de filmes que cada país do continente asiático proporcionaram, visto que, os tempos de acesso a materiais cinematográficos e a onda do cinema ocorreram a partir de processos diferentes em cada uma das nações.
Para que o público seja atraído e haja uma valorização do cinema nacional por parte da população, foram criados os festivais nacionais ou internacionais de cinema, não apenas na Ásia, como também na Europa, como é o caso da criação do Festival de Cannes, o qual proporciona destaque, cada vez maior, a filmes que foram e são dirigidos por mulheres. Contudo, vale lembrar que há diversos festivais no continente asiático que estão atraindo a atenção da população mundial para a produção, mercado e para o investimento em trabalhos cinematográficos dirigidos por não-ocidentais.
Citando o festival mais famoso do leste asiático, temos o Festival Internacional de Cinema de Xangai, o primeiro evento deste tipo a ser realizado no país. Desde 1993, investe numa programação única para chamar atenção, não apenas de todo o país, mas de estrangeiros também. Sendo o único evento de cinema internacional de categoria A da China, recebe apoio para toda sua infraestrutura da Administração Municipal de Cultura, Rádio, Cinema e TV de Xangai e Grupo de Mídia e Entretenimento de Xangai.
Ocorre também anualmente, na Coreia do Sul, o Festival Internacional de Cinema de Busan, que foi criado em 1996. Considerado um dos primeiros festivais de cinema da Coreia e um dos mais importantes da Ásia, sua programação consiste em apresentar novos filmes e diretores asiáticos (incluindo, também, uma parcela do seu cronograma destinada à cineastas que não são do continente), possuindo um foco voltado ao público jovem, com planos tanto de desenvolvimento quanto de investimento direcionados a essa faixa etária.
As mulheres não ficam de fora. A fim de criar uma maior visibilidade para o trabalho feminino, Byun Young-joo, diretora sul-coreana que retrata os direitos das mulheres e suas dificuldades em seus filmes, foi uma das membros fundadoras do coletivo feminista de cinema chamado “Bariteo” estabelecido em 1989. Tal como foi a criação de festivais, o grupo busca investir em filmes de mulheres coreanas com apresentações de histórias voltadas para a visão feminina.
Podendo ultrapassar limites territoriais, os festivais não se limitam apenas a representar filmes da nacionalidade no qual está estabelecido o evento. Ao criar festivais de certa cultura em outro local, o intuito é atrair mais público para aquela cultura, apresentar diferentes e ricos filmes de língua estrangeira ou até mesmo, reconhecer a predominância de uma diferente nacionalidade em certa região, fazendo assim um festival que tenha relação com eles.
Como exemplos disto, temos o Bollywood Film Festival, que não é feito na Índia e sim um evento anual planejado em Praga, na República Tcheca. Começou, em 2004, com a motivação de apresentar as produções indianas de Bollywood e Hindu para os cidadãos tchecos.
Outro evento que se enquadra nesse contexto é o Festival de Cinema Asiático de Nova Iorque, que se tornou um pequeno meio visível e importante porta de entrada para a introdução de mais filmes asiáticos na famosa cidade do território norte-americano. Sua programação consta, sobretudo, com diretores que não puderam apresentar suas obras em festivais e premiações mais prestigiados no ocidente.
TAKE THREE: CINEASTAS DA ÁSIA PARA O MUNDO
Como foi apresentado a expansão do cinema da Ásia diante de outros continentes, a produção crescente de filmes vindo de cineastas mulheres e os festivais, tendo alguns com premiações ou não, mas que torna mais um espaço feminino a ser conquistado e recebido por filmes de estrangeiras, especialmente de mulheres asiáticas. Apresento neste tópico, algumas das milhares de cineastas asiáticas que estão “colocando em ação” sua presença no cinema mundial.
Naomi Kawase
Cineasta japonesa prestigiada com trabalho no Festival de Cannes, “Esplendor” (2017). Além de ter sido a diretora mais jovem a receber um prêmio cinematográfico do mesmo festival: Camera d’Or em 1997 com “Suzaku” (1997) e levando o Grand Pix pelo trabalho “The Mourning Forest” em 2007, mesmo ano do filme, agregando ao currículo também o cargo de primeira diretora japonesa a compor o júri do evento alguns anos depois.
Sua linguagem cinematográfica foi marcada, inicialmente, por ser mais autobiográfica, sempre ligada ao seu tempo de jovem, onde vivia na parte rural de seu país, e seus traumas familiares. Mas, recentemente, mudou a maneira de seus filmes, que agora são reflexões sobre seus pensamentos contemporâneos.
Chloe Zhao
Diretora chinesa que é reconhecida por seu longa-metragem “Domando o Destino” (2017), entretanto, foi recentemente aclamada pelo filme “Nomadland” (2020), obra que ganhou reconhecimento internacional e lhe garantiu diversos prêmios, inclusive o Leão de Ouro dado por críticos no Festival de Cinema de Veneza. Além disso, também recebeu o Globo de Ouro por melhor direção, tornando-se a primeira mulher asiática a ser homenageada e recebendo quatro nomeações a diferentes categorias do Oscar, ganhando o de Best Picture e Best Director.
Seus primeiros anos de vida foram em Pequim, até que aos 14 anos se mudou para Inglaterra – o que aumentou seu contato com a cultura ocidental e, com isso, a influência ao cinema também. Na época da faculdade, optou por cursar cinema, na Universidade de Nova Iorque, iniciando seus projetos realizados durante a vida universitária. Atualmente, trabalha como diretora do seriado “Os Eternos” (2021) em conjunto com a franquia da Marvel.
Nessa onda de diretoras chinesas com projetos americanos, temos também a companhia de Cathy Yan, diretora de “Dead Pigs” (2018) e o reconhecido filme “Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa” (2020) como parte do universo da DC Films. E Lulu Wang, que é americana com ascendência chinesa e atua com comédia-dramáticas contextualizando histórias asiáticas como em “The Farewell” (2019), cujo reconhecimento acarretou o prêmio de Independent Spirit Award for Best Film.
Nadine Labaki
Atriz, ativista libanesa e, além disso, diretora. Labaki iniciou sua carreira de atriz nos anos 2000, mas levou seu foco ao ramo de direção em 2007, com o lançamento do seu filme “Caramel” (2007) onde foi prestigiado na estreia do Festival de Cannes do ano citado. Foi a primeira cineasta mulher árabe a ser indicada ao Oscar na categoria Best Foreign Language Film.
Em seus trabalhos, procura demonstrar o cotidiano da vida libanesa e cobrir questões mais sérias de tópicos políticos como a guerra, pobreza e feminismo.
Samira Makhmalbaf
Filha de um famoso cineasta do Irã, Makhmalbaf teve a sua influência do cinema correndo no sangue. Estudou por alguns anos na escola de cinema de Makhmalbaf Film House até que, aos 20 anos de idade, após se mudar para Londres, graduou-se em Psicologia e começou a usar desse conhecimento para mesclar a área do cinema, criando assim sua própria linguagem cinematográfica. Seus filmes são conhecidos por seguirem um tema de progresso e mudança, uma estética híbrida dos trabalhos anteriores de seu pai com trabalhos próprios que retratam o conflito que acontece no Irã.
Considerada parte da Nova Onda Iraniana – movimento do cinema iraniano que estabelece novos diretores que influenciam com suas obras ao desenvolver a cultura e intelecto iraniano em seus filmes – suas obras mais especiais são “A Maçã” (1998), “O Quadro Negro” (2000) e “Às Cinco da Tarde” (2003), que transpassam o caos do Afeganistão pós-talibã com a visão sensível apesar do teor político do filme.
So Yong Kim
Diretora sul-coreana que, aos 12 anos, foi morar com sua mãe nos Estados Unidos. Trabalha com a companhia de seu marido em alguns trabalhos e recebeu o prêmio especial do júri no Sundance Film Festival com seu primeiro longa metragem “In Between Days” (2006), que se inspira em relatos de sua vida pessoal, retratando a história de amor entre dois jovens coreanos em Toronto, Canadá. Outros filmes de sua autoria como “For Ellen” (2012) e “Lovesong” (2014) foram bem aclamados pelo público, majoritariamente, norte-americano.
Bônus de curiosidade: Em 2016, dirigiu o clipe de música, “A Burning Hill” da cantora Mitski.
Sai Parānjpye
Roteirista e diretora indiana, possui filmes premiados em seu currículo, como “Sparsh” (1980) e “Kath” (1983) que foram prestigiados na Premiação Nacional de Cinema feita pelo governo da Índia, assim como também foi premiada por suas outras obras reconhecidas em seu país. Seus trabalhos enriquecem sua cultura de modo que foi homenageada com Padma Bhushan em 2006, dado pelo reconhecimento de seu talento pelo governo indiano.
Ainda na Índia, encontramos Zoya Akhtar, que é um destaque por ser diretora em filmes do cinema Hindu ou melhor dizendo, Bollywood – indústria cinematográfica ligada ao sul do país.
Anocha Suwichakornpong
Graduada pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, também atua como professora visitante/convidada em Harvard no curso de Art, Film, and Visual Studies. Seu trabalho segue a linha de retratar a história sociopolítica da Tailândia em meio a temática do filme. E por conta de todos os seus valores, recebeu, em 2019, o prêmio Prince Claus pelo seu pioneirismo no cinema feminino e intelectual, desafiando padrões e desenvolvendo novas convenções, tanto no cinema quanto na sociedade.
É conhecida por diversos filmes, entre eles “História Mundana” (2010) e “By The Time It Gets Dark” (2016), sendo o último o vencedor do Prêmio da Associação Nacional de Cinema da Tailândia como Melhor Filme e Melhor Diretor, tornando-se a primeira mulher tailandesa a ser premiada neste evento.
Em 2007, ela foi uma das fundadoras de uma produtora independente chamada Electric Eel Films, que foi reconhecida por suas contribuições aos trabalhos com talentos iniciantes. E, em 2017, virou co-fundadora do grupo Purin Pictures, uma organização de apoio ao cinema independente do sudeste asiático, uma região que carece de incentivos governamentais para a indústria cinematográfica.
Por fim, temos que o mundo cinematográfico asiático é um grande mar que abarca diretores, filmes e obras com enorme diversidade. No entanto, uma importante parcela desse universo é composta por mulheres, cenário que felizmente está crescendo, uma vez que as cineastas estão deixando suas marcas na sétima arte com obras e produções que revolucionaram e continuam transformando o mundo do cinema na Ásia.
And cut! Confira abaixo uma lista de sugestões de outras diretoras asiáticas para aproveitar mais o seu Sextou:
Haifaa al-Mansour – Mary Shelley (2017) e Nappily Ever After (2018), disponíveis na Netflix
Alice Wu – Você Nem Imagina (2020), disponível na Netflix
Xue Xiaolu – Conspiração Internacional (2019), disponível no Telecine
Domee Shi – Bao (2018) e Turning Red (estreia em março de 2022), disponível no DisneyPlus
REFERÊNCIAS:
DE ARAUJO, Camila Leite; DA SILVA, Luiz Antônio Santana; DE MENEZES, Gleilson Medins. Cinematografia em fluxo: Imagem em Movimento no Cinema Asiático. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 6, p. 41844-41855, 2020.
KELLY, Gabrielle; ROBSON, Cheryl (Ed.). Celluloid Ceiling: women film directors breaking through. Aurora Metro Publications Ltd., 2014.
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