Curadoria de Política Industrial e Instituições
Fernanda Alves Rodrigues da Silva
O discurso feito por Deng Xiaoping na Conferência Central de Trabalho em 1978, é conhecido como um divisor de águas na forma de condução da política interna e externa chinesa. Na ocasião, rompeu-se com a política maoísta sem deslegitimá-la.
Em 13 de dezembro de 1978, acontecia a Conferência Central de Trabalho, na qual eram feitos os preparativos para a Terceira Sessão Plenária do Décimo Primeiro Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC). Deng Xiaoping, figura de poder importante no Partido, discursou no encontro sobre a necessidade dos cidadãos emanciparem a mente e buscarem a verdade dos fatos.
O discurso refletiu as suas perspectivas sobre as questões com as quais ele estava lutando na época, tais como o melhor método para incentivar novas formas de pensar ao mesmo tempo em que se minimizaria a resistência de oficiais conservadores, como manter a estabilidade enquanto se abria a economia e como mostrar respeito à Mao ao mesmo tempo em que se rompia com a política maoísta (VORGEL, 2011).
Durante sua fala, Deng pontuou quatro motivos que dificultavam a emancipação da mente de alguns companheiros, sendo eles: a) a restrição à liberdade de pensamento por meio de taboos ideológicos e “zonas proibidas”, estabelecidas por Lin Biao e a Gangue dos Quatro durante o governo de Mao; b) o monopólio de poder levou a um burocratismo exacerbado e afetou o Partido; c) a abstenção de distinção entre o certo e o errado, méritos e deméritos e a falta de aplicação de recompensas e penalidades desmotivou a população a pensar “fora da caixa”; d) o pensamento do povo ainda estava moldado a uma mentalidade de pequeno produtor, relutantes a ideias que buscassem o crescimento e o progresso da China no cenário internacional (CENTRAL, 2021).
Segundo Deng, a prática genuína do sistema proletário no centralismo democrático, que consiste na liberdade de pensamento nas discussões dentro do partido e na unificação partidária, era condição essencial para a emancipação das mentes do povo chinês. Ele reforçou também a ideia de que, emancipar a mente dos grilhões da superestrutura que impõe as relações de produção é uma tarefa primária e imprescindível.
Na ocasião, Deng ressaltou a necessidade da criação de condições que reforçassem a prática da democracia e que incentivasse a liberdade de expressão. Por meio da reafirmação do princípio dos “três nãos” – não acusar o próximo por suas falhas, não estigmatizá-lo e não utilizar punições excessivas –, seria garantida a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que se corrigiria as opiniões divergentes das dos Partido sem silenciá-las. Ele destacou também a impreteritividade da formação de um arcabouço institucional que fosse constante ao longo das alternâncias de governo.
Como a Revolução Cultural da era maoísta marcou negativamente a reputação do Partido aos olhos da população, Deng afirmou que os mal-entendidos e erros do passado seriam corrigidos e que as punições adequadas seriam aplicadas aos responsáveis. Enfatizando a capacidade de reeducação e reabilitação, ele pediu leniência para aqueles que se arrenpendiam dos erros cometidos no passado e pontuou a influência positiva de Mao Zedong para o Partido.
Com o objetivo de concretizar e popularizar o projeto das “Quatro Modernizações” – criado em 1972, com foco nas áreas de Agricultura, Ciência e Tecnologia, Defesa e Indústria –, Deng, um dos maiores defensores do plano, afirmou que superar o excesso de burocracia, estabelecida em um modelo de economia de pequena-escala, era fundamental para que a China avançasse e realizasse seu processo de abertura gradual e crescimento exponencial. O Plano foi aprovado em 1979 e pode ser apontado como um dos principais responsáveis pelo crescimento chinês ao longo das últimas quatro décadas.
O discurso do político, feito na Conferência Central de Trabalho, é conhecido como um divisor de águas na forma de condução da política interna e externa chinesa. Na ocasião, rompeu-se com a política maoísta sem deslegitimá-la. Foi o prelúdio da nova era na China, marcada pela abertura gradual e pelo crescimento econômico sob os moldes do Plano das Quatro Modernizações.
Deng Xiaoping, desde sua atuação no governo de Mao, incentivava o intercâmbio de ideias dos chineses com outros países, em especial os desenvolvidos, com o intuito de aplicar o conhecimento adquirido adaptado à realidade da China. Desde 1975, quando o líder fez uma viagem para a França, com uma comitiva de oficiais de alto nível da indústria, transporte, administração e ciência, Deng passou a defender os benefícios de viagens para estudo. O político afirmava que era necessário que os governantes conhecessem e reconhecessem o gap de desenvolvimento chinês, em relação à outros países, para que pudesse ser estabelecido um plano de transformações eficaz (VORGEL, 2011).
Foi Deng, também, quem defendeu a possibilidade de aceitar empréstimos de outras nações, de forma planejada, em prol do desenvolvimento chinês. Além disso, ele argumentava que, promover a estabilidade interna era primordial antes que a China começasse a aceitar investimentos estrangeiros e implementasse teconologias e know-how de outros países (VORGEL, 2011).
É interessante que, apesar de Deng ser visto e lembrado como líder do PCC e da China, oficialmente ele era vice-presidente do Partido e vice prêmier chinês. A Revolução Cultural deixou como legado o receio de concentrar o poder nas mãos de poucos e, por essa razão, as lideranças partidárias resolveram dar o posto de presidente do Partido e prêmier da China para Hua Guofeng. Porém, a titulação nunca foi empecilho para Deng, que conduziu o país até 1992, e até hoje é lembrado como um dos maiores líderes chineses.
REFERÊNCIAS
CENTRAL WORKING CONFERENCE. The Selected Works of Deng Xiaoping – Modern Day Contributions to Marxism-leninism. Disponível em: https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/02/25/emancipate-the-mind-seek-truth-from-facts-and-unite-as-one-in-looking-to-the-future/. Acesso em: 20 mar. 2021.
VORGEL, E. F.. Deng Xiaoping and the Transformation of China. Harvard University Press: Cambridge, 2011.
Crédito da foto de capa: Xinhua News Agency
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