Resenha do livro “Power Politics in Asia´s Contested Waters: Territorial Disputes in the South China Sea”, Enrico Fels & Truong-Minh Vu (ed.)
Antonio Henrique Lucena Silva[1]
Wellington Dantas Amorim[2]
A China vem se abrindo para o mundo desde o final da década de 1970 e preferiu o desenvolvimento econômico do país à confrontação da Guerra Fria. Desde então, o país tem vivenciado um período de paz, de estabilidade e de expansão econômica. Com o poder e a prosperidade crescendo, a posição chinesa nos assuntos mundiais encontra-se em progressiva ascensão e vem adquirindo um papel cada vez maior nas relações internacionais. Desde as grandes reformas que a China empreendeu na década de 1980, vários pesquisadores começaram a se debruçar sobre o país e identificar os processos de mudanças que vinham ocorrendo. Ao longo dos anos 1990 e 2000, a China passou a galgar mais espaço internacional, não mais se restringindo a sua esfera regional.
Apesar desses elementos positivos, os líderes militares chineses estão preocupados com os desafios da segurança nacional de curto e longo prazo a serem enfrentados pelo Estado. Para a elite do Partido Comunista Chinês, Taiwan é uma fonte de ansiedade do governo desde o início dos anos 1990. O Exército Popular de Libertação continua a sua escalada militar contra a ilha, intensificando a sua capacidade de dissuadir os Estados Unidos de intervirem no Estreito de Taiwan e dentro da sua esfera regional de influência. Torna-se evidente que uma mudança de poder está em curso na Ásia-Pacífico. Beijing também têm ampliado as suas relações com países fora da sua região, notadamente no continente africano, no Oriente Médio e na América do Sul. Iniciativas internacionais e regionais como o Banco dos BRICS, o Banco Asiático para investimento em infraestrutura, assim como a Organização de Cooperação de Shangai, demonstram a proatividade da liderança chinesa em proporcionar maior poder a Beijing. O País busca modificar a ordem estabelecida ao seu redor.
Outro componente relevante é o Mar do Sul da China devido a sua grande importância por causa das rotas de navegação de comércio, por onde os chineses exportam boa parte da sua produção e importam a maioria dos seus insumos para as indústrias, além das possibilidades de energia e alimentação com frutos do mar. As linhas na rota de comércio no Mar do Sul da China conectam Cingapura com o norte da Ásia e essa região passou a transportar mais bens do que a rota Nova Iorque-Roterdã. As evidências demonstram que Beijing possui interesse em controlar a região e tornar as ilhas ali localizadas como parte de seu território, também buscando ter uma capacidade de projetar poder.
Uma nova dinâmica de ameaça emergiu a partir de 2010, com o aumento significativo das tensões marítimas e territoriais entre a China, os países vizinhos e os Estados Unidos, anunciando um rebalanceamento estratégico na região Ásia-Pacífico e, em particular, no Leste Asiático. Os norte-americanos estão desenvolvendo uma nova doutrina de batalha ar-mar projetada para frustrar os esforços da China voltados para o cerceamento da estratégia militar dos EUA, principalmente a naval, através de uma presença de negação de área/anti-acesso. Com os conflitos entre a China e o Japão nas Ilhas de Diaoyu/Senkaku, no Mar Leste da China, e as disputas entre os países asiáticos pelas Ilhas Paracel e Spratly, no Mar do Sul da China, a liderança chinesa tem insistido em que o Exército Popular de Libertação e a indústria de defesa venham a ter preparações para o embate militar e melhorarem compreensivamente a dissuasão e as capacidades de combate sob condições informatizadas, de forma a assegurar a soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento da China.
É nesse contexto que o livro editado por Enrico Fels e Truong-Minh Vu, Power Politics in Asia´s Contested Waters: Territorial Disputes in the South China Sea, busca discutir as disputas em torno do Mar do Sul da China. O livro é dividido em cinco partes que discutem o Mar do Sul da China, a ascensão chinesa, as respostas dos países da região do Sudeste Asiático, os atores que veem com preocupação as rivalidades e o futuro da Ásia. Na primeira parte do livro, Fels & Vu, Ohnesorge, Kivimäki e Burges abordam a necessidade de se entender a importância das disputas no Mar do Sul da China, o direito internacional e o gerenciamento de conflitos no SCS, a securitização dos litígios e como a revolução robótica (Revolução nos Assuntos Militares) atua como fator relevante na questão militar.
Na parte sobre a ascensão chinesa, Lanteigne, Li, Abb, Lim, Turcsányi, Jones e Ming analisam aspectos sobre o desenvolvimento da estratégia marítima no Mar do Sul da China, as aspirações do País e seu comportamento estratégico, as relações do país com as Filipinas e o Vietnã, a narrativa nacionalista construída para legitimar as ações chinesas, como o país emprega a força militar no SCS e a nova política chinesa de territorialização. Constituem a terceira parte do livro os artigos de McEwen-Fial & Brand, Hiep, Hellendorff, Parameswaran, Heydarian e Hörhager. Os autores trabalham nessa seção a relação triangular dos Estados Unidos, Vietnã e China, a buscar por alianças, em especial do Vietnã, as estratégias de potências médias como Malásia e Indonésia, o delicado equilíbrio da região e como a China operacionaliza a ASEAN para seus interesses.
Fravel, Sitaraman, Sakaki, Lucena Silva & Amorim, Will e Ayson discutirão o papel de outros atores que atuam como elementos intervenientes no conflito na quarta parte da coletânea. As políticas americanas sobre o Mar do Sul da China, a parceria entre Índia e Vietnã para contrabalancear Beijing, a estratégia japonesa nos contenciosos, como teorias como o complexo regional de segurança, a teoria da paz democrática e o equilíbrio de poder ajudam a entender a posição de Austrália, Índia e Japão; a Europa no SCS, e a estratégia neozelandesa de balanceamento. Por último, Bindenagel e Pham trabalharam nessa parte o arcabouço de uma comunidade de paz e segurança (Bindenagel) e o uso da força, ou ameaça, no Mar do Sul da China foi analisado por Pham desde 1945.
Dada a complexidade da questão, a coletânea editada por Fels & Vu traz luz sobre os acontecimentos mais recentes no Mar do Sul da China. Os artigos trazem análises e mostram como as disputas afetam a região e o rebalanceamento de forças. O dinamismo das relações internacionais contemporâneas traz elementos que indicam a emergência de uma multipolaridade cada vez mais presente. Os embates na região da Ásia-Pacífico não deixam de ser uma manifestação dessa tendência.
[1] Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Professor da Faculdade Damas da Instrução Cristã.
[2] Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Professor da Unilassalle Rio de Janeiro.
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