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ARTIGO DE OPINIÃO | O Brasil no caminho da vigilância de Psycho-Pass

Curadoria de Inovação e Tecnologia

Alana Maria Passos Barreto

Psycho-Pass é um anime japonês de gênero cyberpunk cuja primeira temporada foi transmitida em 2012 na Fuji TV, geralmente reservado para demografias mais adultas. O cyberpunk aparece para designar um movimento literário no gênero da ficção científica, unindo altas tecnologias e caos urbano, sendo considerado como uma narrativa tipicamente pós-moderna (LEMOS, 2004).

Nesse sentido, “o futurismo da tecnocultura moderna transformou-se no presenteísmo da cibercultura pós-moderna. As histórias cyberpunks falavam de indivíduos marginalizados em ambientes culturais de alta tecnologia e caos urbano” (LEMOS, 2004, p. 12).

O anime é ambientado em um Japão futurista, no ano de 2113, e a narrativa do “psycho-pass” se trata da construção de mundo baseada em um sistema que controla tudo. Esse sistema de controle funciona para calcular o coeficiente criminal de cada pessoa, ou seja, as pessoas são submetidas a exames cerebrais para apurar a probabilidade de cometerem um crime. 

O coeficiente criminal é medido por um sistema tecnológico chamado de Sibyl. Ela consegue quantificar o grau de risco que uma pessoa oferece para a sociedade e, assim, tomar as devidas providências: encaminhá-la para a terapia, isolá-la ou, em casos mais graves, exterminá-la. 

A sociedade de Psycho-Pass é predominantemente composta por androides – robô com forma humana – e ciborgues – humano com peças de robô, ou seja, combinação de partes orgânicas, mecânicas e eletrônicas –, tanto os diretamente constituídos por tecnologia, quanto aqueles metaforicamente envolvidos com ela. Dessa forma, a tecnologia faz parte do cotidiano dos personagens de Psycho-pass.

À exemplo de Neuromancer, Wiliam Gibson (2008), nos mostra um mundo profundamente modificado pelo avanço tecnológico e científico, com substancial modificação do ser humano por procedimentos demasiadamente futurísticos. “Ladrão que trabalhava para outros ladrões, mais ricos, empregadores que forneciam o software exótico necessário para penetrar as muralhas brilhantes de sistemas corporativos, abrindo janelas para fartos campos de dados” (GIBSON, 2008, p. 18).

A sociedade de Sibyl funciona tal qual o panóptico, de Foucault e Bentham, e neste caso, o vigilante é a própria tecnologia. Um modo de exercer o poder de forma “sutil” reformulando o indivíduo que apresenta potencial criminoso. A Sibyl não é apenas um instrumento de controle, ela também é a ferramenta criminal de julgamento que sentencia o indivíduo. 

É importante refletir que essas distopias japonesas do gênero de cyberpunk, cada vez mais se aproximam da nossa realidade. Muito embora ainda não exista um sistema de análise do coeficiente criminal no Brasil, recentemente, foi pautado no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.630/20 que ficou popularmente conhecido como “PL das Fake News”. O projeto já foi aprovado no Senado Federal – sendo revogado parte do texto legal que tratava sobre a exigência do registro de documentos pessoais como RG e CPF nas redes sociais – e agora está em tramitação na Câmara do Deputados.

O intuito do PL é combater as redes de desinformação, em aplicativos de mensagens como Whatsapp e Telegram. No entanto, ele consiste na criação de uma grande base de dados a partir das mensagens dos usuários. A proposta propicia a rastreabilidade das mensagens em massa, o que, por consequência, promove o fim a criptografia de ponta-a-ponta dos aplicativos de conversa privada. 

Por sua vez, o armazenamento das mensagens encaminhadas em massa, promove uma “guarda preventiva” e coloca esses usuários em potencial atividade de suspeita, visto que o projeto coloca sobre responsabilidade da pessoa comum que faz uso do aplicativo.

Em vista disso, é importante ressaltar que essa coleta excessiva de dados para extrair os “metadados” conflita com direitos fundamentais – como o direito ao sigilo e a manifestação – e com direitos de proteção de dados presentes na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Em um estudo promovido pelo Internet Lab (2020), menciona-se que além do impacto sobre a segurança da informação e a privacidade dos usuários, caso o projeto de lei seja aprovado, ele levará à autocensura, devido ao “efeito coercitivo” que a vigilância tem sobre a liberdade de expressão.

No entanto, o avanço no controle informacional pelo Estado brasileiro não se restringe ao conteúdo de mensagens de textos. Em setembro de 2020, o jornalista investigativo Aiuri Rebello (2020) do The Intercept, publicou uma reportagem a respeito do sistema Córtex, utilizado pelo Ministério da Justiça, descrito como “uma tecnologia de inteligência artificial que usa a leitura de placas de veículos por milhares de câmeras viárias espalhadas por rodovias, pontes, túneis, ruas e avenidas país afora para rastrear alvos móveis em tempo real”.

Além do rastreamento, o sistema tem a capacidade de percorrer informações contidas em outros setores, a exemplo dos Ministérios, a partir do cruzamento de bancos de dados. Vale ressaltar que, o art. 4º, § 1º, da LGPD, prevê que o tratamento de dados para fins de segurança pública deve estabelecer “medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular”.

Observa-se que o Governo Federal faz uso de mecanismos de controle com tamanho potencial lesivo que representa uma grande ameaça aos direitos e liberdades constitucionais. Essa ameaça se agrava tendo em vista que o cenário da vigilância no país tem crescido vertiginosamente, por meio de propostas e ações que ampliam o acesso do poder público a dados sensíveis do cidadão sem as devidas garantias e salvaguardas, levando em consideração a inaplicabilidade da LGPD que está em vigor desde setembro de 2020.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 10 maio 2021.

BRASIL. PL 2.630, 3 de julho de 2020. Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1909983&filename=PL+2630/2020. Acesso em: 11 abr. 2021.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 42. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.

INTERNET LAB. Rastrear o viral? Riscos à privacidade no projeto de lei “de combate às fake news”. InternetLab, São Paulo, 2020.

LEMOS, André. Ficção científica cyberpunk: o imaginário da cibercultura. Conexão, Comunicação e Cultura. UCS, Caxias do Sul, v. 3, n. 6, p. 9-16, 2004. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/view/71/61. Acesso em: 28 abr. 2021.

OLIVEIRA, F. C. R. M. Ficção Científica: uma narrativa da subjetividade homem-máquina. Revista Contracampo, Universidade Federal Fluminense (UFF), v. 9, p. 177-198, 2003. Disponível em: https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/17364/11001. Acesso em: 28 abr. 2021.

REBELLO, A. Da Placa de Carro ao CPF: Conheça o Córtex, sistema de vigilância do governo que integra de placa de carro a dados de emprego. The Intercept Brasil, 2020. Disponível em: https://theintercept.com/2020/09/21/governo-vigilancia-cortex/. Acesso em 10 maio 2021. 

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