Leonardo Ferreira
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O rápido desenvolvimento da Coreia do Sul foi um dos fenômenos mais notáveis da segunda metade do século XX. Entre as explicações que ganharam mais destaque estão as contribuições de autores institucionalistas como Wade sobre Taiwan (1990), Amsden (1989) sobre a Coreia do Sul e Johnson sobre o Japão (1982).
De acordo com essa perspectiva institucionalista, o “milagre econômico” da Coreia do Sul poderia ser explicado pela emergência de um Estado Desenvolvimentista que, conforme Wade (2018), seria caracterizado por: um poder burocrático centralizado em um ou alguns ministérios dominantes; o Banco Central atuando em conformidade com a estratégia nacional de desenvolvimento e o setor bancário incluindo uma grande presença de bancos estatais.
Essa perspectiva, entretanto, carece de dois problemas principais, isto é, um nacionalismo metodológico e a negligência dos conflitos sociais internos da Coreia do Sul. É necessário destacar que o termo “nacionalismo metodológico” remete ao trabalho de Gore (1996) e pode ser encontrado em outros trabalhos como Medeiros (2010). Aqui iremos nos ater ao primeiro ponto por dois motivos, em primeiro lugar para que o texto não se torne demasiadamente extenso e, em segundo lugar, por ser o tópico negligenciado com maior frequência.
Assim, entendemos que o grau de autonomia obtido pelo Estado sul-coreano nas primeiras décadas do seu “milagre” foi consequência direta do impacto geopolítico da Guerra Fria na Ásia, cujo auge se situa entre a Guerra da Coreia (1950-1953) e a Guerra do Vietnã (1955-1975). Nesse momento, como argumentam Medeiros e Serrano (1999, p. 10), surge a “concorrência entre dois sistemas econômicos antagônicos” representados pela URSS e EUA, além da afirmação da “supremacia comercial, industrial, financeira e militar” norte-americana sobre o bloco capitalista.
É importante frisar que o termo milagre está entre aspas pois, do nosso ponto de vista, não houve milagre algum, na verdade a experiência de desenvolvimento da Coreia do Sul pode ser perfeitamente explicada pelo padrão de inserção geopolítica que permitiu a superação da restrição externa ao crescimento, a existência de um Estado com algum grau de autonomia para guiar um processo de industrialização e o crescimento da demanda agregada.
Vale mencionar que a Guerra da Coreia muda, também, o posicionamento dos EUA em relação ao Japão, de modo que as “indenizações de guerra foram perdoadas, o desmonte dos zabaitsu foi interrompido e as encomendas dos EUA impulsionaram a indústria de máquinas e a automobilística.” (MEDEIROS E SERRANO, 1999, p.10).
Essa mudança foi uma reação direta ao crescimento da influência comunista sobre a Ásia. Um dos ápices da expansão da influência soviética sobre a região foi a ascensão do Partido Comunista Chinês (PCCH) ao poder em 1949.
Com relação à Coreia do Sul, conforme Moura (2021), os EUA enviaram recursos diretos da ordem US$875 milhões em 1950 que, posteriormente, em 1960, atingiram US$3,957 bilhões. É interessante notar que do valor de 1950, a maior parte diz respeito à ajuda econômica; já em 1960, o maior percentual era voltado para ajuda militar, consequência direta da Guerra da Coreia. Assim, os recursos militares enviados pelos EUA cresceram de forma mais acelerada do que os recursos de ajuda econômica, refletindo o aumento das tensões geopolíticas na região e o seu envolvimento na Guerra do Vietnã (1959-1975).
A partir da segunda metade da década de 60, começa a ocorrer uma diminuição dessas transferências unilaterais americanas que seriam compensadas pela ampliação do acesso sul-coreano ao mercado interno dos EUA para a exportação e amplo acesso ao financiamento internacional. Com isso, a Coreia do Sul seguiu o caminho japonês inundando o mercado americano com exportações de têxteis e de produtos industriais de baixo valor unitário (MEDEIROS E SERRANO, 1999).
Nesse contexto, a Coreia do Sul contou com amplo apoio econômico dos EUA, em que pesaram dois pontos principais: o apoio tecnológico por meio de missões de ajuda técnica e financiamento ao seu balanço de pagamentos que, como mencionado, decorreu do acesso ao financiamento internacional e pelas divisas de exportação decorrentes da abertura unilateral da economia norte-americana.
Assim, embora sejam inegáveis as contribuições dos autores institucionalistas, sobretudo no que tange ao papel desempenhado pelo Estado no desenvolvimento sul-coreano, a análise não pode ficar circunscrita às dimensões nacionais.
Essa importância fica clara se levarmos em consideração que a abertura unilateral ao mercado norte-americano e as transferências unilaterais abriram espaço para que a Coreia do Sul superasse a restrição externa ao crescimento, isto é, a insuficiência de divisas para sustentar o processo de industrialização.
REFERÊNCIAS
AMSDEN, Alice. Asia’s Next Giant: South Korea and Late Industrialization. New York: Oxford University Press, 1989.
BÉRTOLA, Luís. “OCAMPO, José Antonio.” O Desenvolvimento Econômico da América Latina Desde a Independência. 1a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.
GORE, C. Methodological nationalism and the misunderstanding of east Asian industrialization. European Journal of Development Research, v. 8, n. 1, 1996.
JOHNSON, Chalmers. MITI and the Japanese Miracle: The Growth of Industrial Policy, 1925-1975. California: Stanford University Press, 1982.
MEDEIROS, C. A. de. Instituições e desenvolvimento econômico: uma nota crítica ao “nacionalismo metodológico”. Economia e Sociedade, v. 19, n. 3, p.
637–645, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-06182010000300009. Acesso em: 11 jun. 2023.
MEDEIROS, C. A.; SERRANO, F. Padrões monetários internacionais e crescimento. In: FIORI, J. L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999.
MOURA, Rafael. “Industrialização, desenvolvimento e emparelhamento tecnológico no leste asiático: os casos de Japão, Taiwan, Coreia do Sul e China.” Rio de Janeiro: Ideia, 2021.
TORRES FILHO, E. T. “A Crise da Economia Japonesa nos Anos 90 e a Retomada da Hegemonia Americana”. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. (Org.). Poder e Dinheiro. Rio de Janeiro: Edit. Vozes, 1997.
WADE, Robert. “O Estado desenvolvimentista. Vivo ou morto?.” Desenvolvimento em Debate, v. 6, n. 2, p. 121-151
WADE, Robert. Governing the Market: Economic Theory and the Role of Government in East Asian Industrialization. Princeton: Princeton University Press, 1990
APRESENTAÇÃO
Leonardo Soares Ferreira
Economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2019). Atualmente, é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRJ. Possui experiência na área de Teoria Econômica, com ênfase em Desenvolvimento Econômico.
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