Redação e comentário crítico: Thomas Dias Placido (thomasdiasplacido25@gmail.com)
Curadoria de Assuntos do Japão
Figura 1: Um míssil hipersônico norte-coreano é lançado de um local não revelado no país no dia 5 de janeiro. Créditos: KCNA/ Japan Forward
“Condenamos severamente a sequência de ações norte-coreanas, incluindo os repetidos lançamentos de mísseis balísticos¹, que ameaçam a paz e a segurança do Japão e da comunidade internacional”. A seguinte fala foi proferida por Hirokazu Matsuno, secretário do gabinete geral do Japão, após os recentes desdobramentos em relação ao crescente arsenal de mísseis norte-coreanos. Pyongyang, que até a presente data, já realizou seu sexto lançamento desde o começo do ano, sinaliza, de acordo com o Eleanor Albert do Council on Foreign Affairs, a disposição do regime de Kim em mostrar uma de suas fontes de legitimação, o poder bélico. Nesse sentido, fica claro a constante inquietação das nações vizinhas quando se trata do aspecto geopolítico, uma vez que a pandemia de COVID-19 exacerbou as fraquezas dos Estados nacionais em setores econômicos, culturais, políticos e militares.
Em suas falas ministeriais, o novo primeiro-ministro Fumio Kishida destaca que “a realidade é a mais severa que jamais foi” indo de encontro com o que foi listado no relatório do parlamento das Relações Exteriores de 2021, onde fatores desestabilizadores, que se tornaram “mais tangíveis e agudos” e uma gama “cada vez maior e diversificada de desafios de segurança” são ecoados como avisos.. Consequentemente, 2022 se configura como um ano ainda mais difícil que 2021 para as questões defensivas japonesas, onde o ambiente de segurança está crescentemente sujeito a novos perigos.
Recentemente, os avanços no desenvolvimento de mísseis, que evoluíram de supersônicos para hipersônicos², têm feito parte das melhorias militares de diversas nações. De acordo com o The Economist, comparado aos níveis de 2009, a competição acerca do mercado de mísseis táticos na Ásia cresceu consideravelmente, com países do Sudeste Asiático como Vietnã, Indonésia, Tailândia e Filipinas³ atualizando seus arsenais missílicos. Essa mudança, de acordo com Brad Glosserman – conselheiro sênior no Pacific Forum –, vem com uma alteração no status quo da região asiática, baseada em uma “diplomacia arriscada” e de constantes atritos entre as economias regionais.
Em 2020, segundo um relatório do Comitê de Análise de Mísseis Balísticos de Inteligência de Defesa dos EUA, no qual é elucidada a lógica por trás da proliferação desses armamentos, os mísseis “são vistos como armas de melhor custo-benefício e símbolos do poder nacional”, o que os tem tornado a primeira opção de ministérios de defesa ao redor do mundo, especialmente em Moscou, Pequim e Pyongyang. Assim, com a tecnologia se tornando mais barata e acurada, a modernização e a ampliação dos inventários de mísseis globais crescem expressivamente, com armas mais rápidas, confiáveis e com maior mobilidade – alcançando distâncias intercontinentais.
Figura 2: Uma série de foguetes são lançados de uma base terrestre. Créditos: Missile Dialogue Initiative.
Nesse clima volátil, o Japão encara, além da Coreia do Norte – onde os mísseis testados caem muito perto de sua costa banhada pelo Mar do Leste –, uma China em expansão, sobretudo em relação às ilhas Senkaku e Ishigaki⁴. Em um artigo do think tank Missile Defense Project do CSIS, a China é creditada com “o programa de desenvolvimento de mísseis mais ativo e diversificado do mundo”. Para agravar a situação, em um texto para o periódico Nikkei Asia, o comentarista Hiroyuki Akita enfatiza o poder desproporcional do exército chinês, que possui 3,7 vezes mais caças modernos que o Japão, bem como 1,5 vezes mais navios de combate e 2,5 vezes mais submarinos. Quando se trata do Comando Indo-Pacífico dos EUA, Hiroyuki aponta para um número 5,6 vezes maior do que os estadunidenses, mostrando o poder robusto de Pequim, que investe 4 vezes mais que o Estado japonês em seu orçamento militar.
Figura 4: Amostra do poderio de mísseis chineses. Créditos: Missile Defense Project
Tal incômodo tem levado o governo japonês a repensar suas estratégias militares, principalmente sob o governo de Shinzo Abe. A terra do sol nascente atesta no artigo 9° de sua constituição que “o povo japonês renuncia para sempre o uso da guerra como direito soberano da nação ou a ameaça e uso da força como meio de se resolver disputas internacionais”, máxima que permitiu o país permanecer na linha defensiva por mais de 75 anos, até os dias atuais. Entretanto, visto a atmosfera instável da vizinhança, a administração nipônica prevê a necessidade de desviar do caminho da Carta Magna, adotando medidas ofensivas para atingir bases inimigas e até mesmo o desenvolvimento de armas eletromagnéticas⁵.
Em 24 de dezembro de 2021, o gabinete do premiê japonês aprovou o maior orçamento de defesa dos últimos anos, sendo o oitavo aumento seguido. Nesse quesito, o valor de 5.4 trilhões de ienes (US$47.2 bilhões) para o ano fiscal de 2022 servirá para assegurar os projetos já em andamento – como recursos de cibersegurança e espaciais, aumentar a pesquisa militar e intensificar as alianças com atores regionais. O aumento histórico no gasto militar ultrapassa virtualmente a marca tradicional de 1% do PIB⁶ usado para o setor, chegando a 1,09% pontos percentuais. Além disso, a postura estratégica de Tóquio antecipa alterações, pela primeira vez, na Estratégia de Segurança Nacional, anunciada em 2013, assim como a revisão das Diretrizes do Programa Nacional de Defesa, que detalham as políticas defensivas a serem adotadas em um período de 10 anos.
Figura 4: Um míssil SM-3 é lançado pelo contratorpedeiro JS Kirishima, da Força de Autodefesa Marítima do Japão. Créditos: Marinha dos EUA
Ademais, China e Coreia do Norte possuem um arse nal de mais de 1 mil mísseis balísticos, com Pyongyang já tendo lançado 40 projéteis desde 2019. Fatores tecnológicos e geopolíticos têm incentivado o aumento da oferta e demanda global por armas de alta velocidade, não tripuladas, baseadas em mísseis e seus correspondentes. Como resultado dessa alteração⁷, o Japão se encontra em uma situação crítica, entre atender aos requisitos do instável século XXI ou manter uma posição atribuída à realidade de sete décadas atrás. Como supracitado, a Ásia vem criando progressivamente ambientes de segurança regional complexos, que colocam o poder executivo do Japão em um impasse acerca de seu posicionamento bélico.
Mesmo que a política defensiva tenha de ser estrategicamente flexível às alterações no ambiente de segurança nacional, uma mudança súbita no orçamento pode causar desconforto às nações vizinhas, acelerando uma possível corrida armamentista. Assim, é tempo de comparar perspectivas e contrastar propostas, analisar os custos e riscos de se projetar regionalmente ao enfrentar o impasse dos mísseis, levando em consideração seu impacto na segurança em âmbito internacional.
[1] Míssil com uma trajetória de arco alto, que inicialmente é propulsionado e guiado, mas cai sob a gravidade em seu alvo.
[2] Um míssil hipersônico viaja a velocidades de Mach 5 e superiores – cinco vezes mais rápido que a velocidade do som (3.836 milhas), que é cerca de 1 milha por segundo.
[3] As Filipinas anunciaram, no dia 14/02 de 2022, a compra do sistema de mísseis de cruzeiro supersônicos mais sofisticado do mundo da Brahmos Aerospace, empresa joint-venture entre Rússia e Índia.
[4] A ilha de Ishigaki tem sido o centro de interesse japonês pela proximidade com Taiwan e das ilhas Senkaku (controladas pelo governo japonês, mas reivindicadas por Pequim).Apesar de ser considerada um paraíso tropical, o Japão planeja implementar unidades de mísseis táticos para conter a presença chinesa nos entornos.
[5] Armas anti-mísseis hipersônicos que lançam projéteis a uma velocidade de 4.470 milhas, podendo alcançar o Mach 7.
[6] O orçamento é baseado em um sistema anual de gastos que chegam ao valor de JP¥6,11 trilhões (US$53,2 bilhões). Assim, o valor é calculado incluindo o orçamento do ano fiscal de 2022 (JP¥5,4 trilhões), que começa em abril, adicionado a um plano orçamental suplementar de 2021 que totaliza JP¥773,8 bilhões (US$6,7 bilhões).
[7] Segundo o site de classificação Global Firepower, em 2021, o Japão foi classificado em quinto no ranking global de poder militar, com o seu orçamento ocupando o sexto lugar entre 140 países.
REFERÊNCIAS:
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