Autor: Felipe Medeiros
Revisão: Paula Michima
Imagem: Capa da primeira edição, respectivamente, de Yoru wa mijikashi aruke yo otome de 2006, e de Papurika, de 1993
São muitos os modos como podemos conceber a história da literatura de um determinado país. Podemos nos utilizar de certo parâmetro sociológico, privilegiando o entendimento da literatura como parte de um sistema que inclui o público leitor, a posição do autor perante a sociedade e como sua obra é lida e compreendida pelos contemporâneos. Também se pode privilegiar o aspecto estilístico, segundo o qual a literatura passa a ter uma história na qual características gerais de um determinado tempo são postas em relevo e reúnem, assim, uma diversidade de escritos sob um mesmo nome (Medievo, Neoclássico, Renascimento, Barroco, Romantismo etc.), ao mesmo tempo deixando de lado, como exceções ou contrários ao estilo (antirromantismo, anti-iluminismo), artistas que não se encaixam nessa tipologia.
Katō Shūichi 加藤周一(1979) tem uma maneira interessante de reconstruir a história da literatura japonesa.¹ A hipótese que liga toda a sua empreitada é a de que existe, na literatura japonesa, um fio ininterrupto que liga o passado ao presente. O que pode parecer uma obviedade para a consciência histórica adquirida desde o início do século XIX ocidental ganha aqui um novo tom: não se trata apenas de afirmar a historicidade própria à literatura japonesa, mas, sim, de essa ligação ser muito consistente e recorrentemente reformulada de diversas maneiras ao longo do tempo. E Katō parte de exemplos próprios da cultura japonesa para exemplificar isso: o uso do idioma chinês como idioma oficial dos escritos políticos japoneses, assim como da primeira antologia de poemas, o Man’yōshū 万葉集(Coleção das mil folhas); a criação do alfabeto katakana por parte das damas da corte, como Murasaki Shikibu e Sei Shōnagon, que, embora dominassem o idioma (tornando-as exceção), não tinham permissão para escrever nele. Não por acaso, o Tosa nikki 土佐日記(Diário de Tosa) foi escrito por um homem (Ki no Tsurayuki 紀貫之) se passando por uma mulher, uma vez que o gênero “diário” era particularmente feminino, sendo escrito apenas em katakana. Assim, também, podemos entender melhor por que a literatura da era Meiji 明治時代(1868-1912) foi palco do embate entre a tradição (japonesa e chinesa) e o moderno (ocidental). Da mesma forma, é conhecida mundialmente hoje a Torre de Tóquio, que nada mais é que uma Torre Eiffel — só que em Tóquio.
Esse pequeno compilado serve para ilustrar, brevemente, a premissa teórica que amarra a reconstrução histórica de Katō Shūichi: é próprio da literatura japonesa a incessante reformulação do passado e da cultura alheia a partir das condições presentes japonesas. Foi assim que os alfabetos katakana e hiragana surgiram no Japão a partir dos kanji (literalmente, “letra chinesa”) e que algo como a Torre de Tóquio se tornou possível. Pensemos, p.ex., no anime Neon Genesis Evangelion 新世紀エヴァンゲリオン, que já no nome faz uso de um vocábulo caro à história ocidental e que ao longo de seus episódios apresenta diversos símbolos cristãos, desde a cruz até anjos. Ou então, no filme Tonari no Totoro となりのトトロ, de Miyazaki Hayao 宮崎駿(1988), que reelabora e reinterpreta “à maneira japonesa” o filme Dōngdōng de jiàqī 冬冬的暇期(literalmente, “As férias de Dong Dong”), de Hou Hsiao-hsien 侯孝賢(1984).
Partindo dessa hipótese instigante de Katō Shūichi, gostaríamos de apresentar um trecho de dois romances japoneses, ainda sem tradução, e refletir sobre como, na literatura japonesa contemporânea, existiriam duas linhas a coexistir em relativa harmonia: uma que privilegia a tradição da história japonesa (e que, portanto, inclui a China) e outra que elabora uma literatura a partir de outras referências (principalmente ocidental). O primeiro trecho que analisaremos é do romance Yoru wa mijikashi aruke yo otome 夜は短し歩けよ乙女 (que traduzimos por “Tão curta é a noite, então ande, donzela”), de Morimi Tomihiko 森 見 登 美 彦 (2009). Em seguida, apresentaremos um trecho do romance Papurika パ プ リ カ (“Páprica”), de Tsutsui Yasutaka 筒井康隆(2006).
Longe de querermos esgotar o assunto, o principal objetivo deste texto é apresentar ao público leitor uma das diversas formas de se ler a literatura japonesa contemporânea, assim como introduzir dois autores ainda pouco conhecidos no Brasil. E isso embora ambos os romances tenham sido levados aos cinemas do mundo todo e gozem de relativo sucesso no Brasil: o romance de Morimi foi dirigido por Yuasa Masaaki 湯浅正明em 2017; o de Tsutsui foi animado por Kon Satoshi 今敏em 2006.
Ao traduzir um trecho dos dois romances e convidar os leitores a uma reflexão propriamente linguística, este texto se insere no âmbito do Grupo de Trabalho de Tradução, coordenado pelo autor, da Curadoria de Assuntos do Japão, da CEÁSIA.
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Os títulos dos romances de Morimi Tomihiko e Tsutsui Yasutaka oferecem-nos um bom ponto de partida para a nossa questão, se pudermos entender seus romances como metonímia de parte da literatura japonesa contemporânea.
Para os fãs do diretor Kurosawa Akira 黒澤明, o título do romance de Morimi, Yoru wa mijikashi aruke yo otome (“Tão curta é a noite, então ande, donzela”), já deve ter atiçado um pouquinho da memória afetiva em relação ao filme Ikiru (1952). Mais ou menos na metade do filme, o protagonista, Watanabe Kanji 渡辺勘治, pede para um pianista tocar uma música bastante famosa na década de 1910, a Gondora no uta ゴンドラの唄(“Canção da gôndola”), com melodia de Nakayama Shinpei 中山晋平 e letra de Yoshii Isamu 吉井勇. Embora Watanabe cante apenas a primeira e última estrofe da canção, todas começam com a frase: “Inochi mijikashi / koi seyo otome” (“Tão curta é a vida, / Apaixonem-se, donzelas”).
Vídeo: https://youtu.be/l0KkkBbkbBg
Watanabe Kanji cantando “Gondora no uta”, em Ikiru, de Kurosawa
Portanto, Morimi Tomihiko, para a escolha do título, recorre ao ritornelo de uma música que conta pouco menos de cem anos do lançamento de seu romance. Tal escolha já desperta no leitor, japonês ou familiarizado com a cultura japonesa, um senso de tradição, pois tanto a música quanto o filme de Kurosawa fazem, hoje, parte do que poderíamos denominar “cultura japonesa”.
O que mais há de comum entre a música e o título de Morimi? A métrica. Note-se que a canção corta a partícula “wa”, pois “inochi” (vida) tem três sílabas ou moras. Já no título de Morimi, “yoru” (noite) tem apenas duas e, por isso, adicionou a partícula “wa”. Assim como cada verso da canção tem sete sílabas, também o título de Morimi tem catorze sílabas. Isso indica para nós que o autor, de novo, queria fazer referência a um objeto da cultura especificamente japonesa. Ao mesmo tempo, o desenho da capa, reminiscente da estética anime, repleto de informações e cores, quase obriga o leitor a entender que esse livro não vive somente no passado, mas se afirma dentro do seu presente histórico, no qual existe um Japão que também cria esse tipo de arte. Passado e presente se apresentam num mesmo plano na capa e, como veremos a seguir, também no enredo do romance. Um enredo, aliás, simples: a história de amor e desencontros de um rapaz (apaixonado e afobado) e uma moça (apaixonada e aventureira), os dois protagonistas sem nome e que têm voz narrativa.
Vídeo: https://youtu.be/RGHXqjCbyEQ
Trailer de Yoru wa mijikashi aruke yo otome, de Yuasa Masaaki
Leiamos o seguinte trecho, do final do romance, no qual a protagonista (sem nome!), a menina de cabelo preto, está num sebo, ou loja de livros usados, e conversa com um menino que encontrara anteriormente, na feira de livros usados. Nós, leitores, já sabemos que esse menino é ninguém menos que o “deus das feiras de livros usados” (古本市の神, furuhon’ichi no kami), uma personagem classicamente morimiana, pelo misto de jocosidade e erudição, também presente em Aoyama-kun, protagonista de outro romance de Morimi, Penguin highway ペンギン・ハイウェイ, de 2010.²
A fim de não nos estendermos em meio a tanta informação, concentremo-nos nos dois vocábulos que causam mais confusão, mesmo entre japoneses: “Shōkanron” e “Junpairo” (lê- se “djun-pái-ro”). De um lado, um livro historicamente factual e existente ainda hoje em alguns manuscritos, disponível inclusive em tradução inglesa (1998). O autor se chama Zhāng Jī (ou, em japonês, Chōki) 張機e, em chinês, seu livro é transcrito como Shāng Hán Lùn. Trata-se do mais antigo texto de medicina chinesa dedicado a doenças contraídas por motivo externo, no caso o frio. É datado do final da dinastia Han (por volta do ano 200 da era comum). Portanto, seria um tanto incomum, e ainda assim nada inverossímil, que um jovem estivesse imerso na leitura de um clássico de medicina chinesa. A linguagem desse garoto varia entre o coloquial e o culto, seu conhecimento acerca de um remédio específico revela que ele próprio é, como seu pai, “versado em herbologia chinesa”, sendo capaz até mesmo de citar um trecho relativo a esse remédio.
O Junpairo já havia aparecido antes na narrativa, exatamente na condição de remédio capaz de curar qualquer gripe; fora apresentado à garota pelo dono dessa livraria, que agora também está gripado. No entanto, o trecho citado é particularmente interessante por ser o único em todo o romance que revela os kanji (ideogramas) do vocábulo “Junpairo”. Até então, ele vinha escrito no alfabeto katakana, destinado, de modo geral, a substantivos estrangeiros ou para dar ênfase. Os kanji fazem sobressair o caráter erudito do presente trecho e nos leva a crer que, embora esteja na voz da narradora, quem lhe apresentou os kanji foi o garoto, provavelmente mostrando-os no livro (daí as aspas). O significado de cada kanji é: 潤 (jun: umidade), 肺(hai: pulmão) e 露(ro: orvalho; pequena quantidade). No caso deste último kanji, é preciso recorrer ao chinês para fazer sentido: em palavras compostas, esse “ro” significa “xarope, néctar, suco”.³ Ou seja: xarope para umidade no pulmão, ou para pulmão úmido (quiçá, edema pulmonar?).
Trata-se de um vocábulo bem elaborado e que remete à tradição chinesa, com a qual o Japão, há séculos, se relaciona e reinterpreta. E o presente caso não é exceção. Pois não existe “Junpairo”. Ao longo das 398 linhas do Shāng Hán Lùn, não há essa combinação de kanji, nem mesmo separados. É criação do próprio Morimi, utilizando-se de seu conhecimento da tradição chinesa e fazendo algo que artistas japoneses têm feito ao longo da história: recriando e reformulando o outro e a si mesmo dentro das condições específicas do presente do Japão.
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Páprica denomina uma espécie de pimentão nativo da América central e do sul. A capa do romance de Tsutsui Yasutaka apresenta a obra do pintor surrealista e belga Paul Delvaux, L’Ermitage, de 1973. Pensando somente nesses dois elementos, é possível perceber um modus operandi um tanto diferente de Morimi Tomihiko, cuja capa e título nos remetem quase que exclusivamente à cultura japonesa. Tsutsui tem uma abordagem diferenciada: nesse romance, sua preocupação não parece ser a de se inserir, por assim dizer, como um entre vários elementos da cultura japonesa, que estabelece a maioria de seus diálogos dentro de seus contornos, mas, sim, como um escritor de uma literatura de alcance mundial. Ou antes, dentro de uma cultura japonesa que não pode mais ser entendida apenas dentro de seus limites históricos e geográficos, mas que se lança num conjunto heterogêneo e misto de culturas.
Paul Delvaux – L’Ermitage [O eremitério] (1973).
E no entanto, todo o romance está escrito em japonês. Pode-se argumentar que o título mesmo, embora referindo-se a um nome de origem americana, está inegavelmente em japonês. Sob a pintura, lê-se a seguinte frase: “Romance proibido, que beira os abismos do espírito”. O substantivo “kindan” (禁断) é utilizado, em contexto cristão, para se referir ao “fruto proibido”, “kindan no konomi” (禁断の木の実), e daí a escolha tradutória. O que provavelmente revela ao leitor que o livro também lidará com questões cristãs e que se relacionam com os abismos do espírito (o que confere um novo sentido à nudez e às vestes das duas mulheres na capa, assim como à árvore ao fundo).
Também o enredo básico de Páprica é simples: dois cientistas geniais e concorrentes ao Prêmio Nobel, Chiba Atsuko 千葉敦子e Tokita Kōsaku 時田浩作, criam o “DC mini”, um aparelho que dá acesso aos sonhos e ao inconsciente dos pacientes, oferecendo aos profissionais da saúde psíquica um tratamento mais efetivo. O problema é que o aparelho não só não está totalmente pronto, embora Chiba Atsuko, com seu antigo codinome “Páprica”, utilize-o de modo clandestino em pacientes ricos, como também ele cai em mãos erradas, tornando a divisa entre sonho e realidade, normalmente já um tanto tênue, cada vez mais e mais frágil até que tudo explode e nada mais é discernível.
Vídeo: https://youtu.be/yn7U1KIGeuQ
Trailer de Papurika (“Páprica”), de Kon Satoshi
Já que vimos, em Morimi, o tratamento de uma doença de causa externa, leiamos como Tsutsui lida com uma de causa interna, a depressão.
Aqui, quem fala é o narrador, que se mantém estável do início ao fim. Ora ele se aproxima da mente de algumas personagens, ora as descreve de longe, ora mistura tudo (tal como o sonho e a realidade). O narrador está mais próximo dos pensamentos de Chiba Atsuko e é por isso que somos inundados nesse mar de teorias, da dinâmica do pensamento científico que tenta agarrar de modo claro e distinto algo que é, por natureza, fluido e inconceitualizável, i.e., o espírito: “nenhuma delas explica suficientemente”.
Mas muito menos o “endon” explica! Somente neste trecho o narrador nos fala desse conceito, sem nem mesmo indicar de quem é. Temos Freud, Janet. Em outros trechos do romance, temos Jung também. Mas por que o narrador não nos fala do psiquiatra alemão Hubertus Tellenbach, embora fale tanto do conceito com o qual ele tanto trabalhou? Sua pesquisa buscou entender a depressão para além dos limites que viam suas causas apenas no corpo (somatogênese) ou na mente (psicogênese), utilizando-se do termo “endógeno” de maneira vaga ou como simples antônimo de “exógeno”. Para tanto, em seu frequentemente expandido Melancholie (“Melancolia”) (1983), utilizou-se do grego para o conceito de “endon”: “‘Endon’ é origem e, nesse sentido, também procedência, aquilo que testifica o originário no ser humano” (“‘Endon’ ist Ursprung und in diesem Sinne auch Herkunft, das Ursprüngliche am Menschen bezeugend) (1983, p. 221, nota 39).
Para quem não é heideggeriano, também isso não “explica suficientemente”. O que é, claramente, proposital por parte do narrador. É um “terceiro domínio”, mas o que isso significa, além de algo que só pode ser imaginado como não-corpo e não-mente, fica para quem for ler descobrir por conta própria, tal como já teve que ir atrás do autor do conceito de “endon”, “endocosmogênese” e afins. O que provavelmente não será feito, já que não se trata nem mesmo de um conceito desenvolvido fora desse parágrafo.
No entanto, longe de lidar negativamente com isso, é preciso entender como esse recurso é constitutivo da obra de Tsutsui. Em sua novela de 1976, diversas vezes adaptada ao cinema, Toki wo kakeru shoujo 時をかける少女(“A garota que atravessou o tempo”) (2012), a protagonista Yoshiyama Kazuko 芳 山 和 子 , por ter sentido acidentalmente o cheiro de uma droga do futuro, ganha a capacidade de viajar no tempo toda vez que sente o cheiro da lavanda. Ainda que o personagem do futuro, Kazuo, cujo verdadeiro nome é Ken Sogoru ケンソゴル, lhe explique que se trata tudo de um experimento, nós continuamos sem entender muito bem o que está acontecendo.
Quase vinte anos depois, Tsutsui continua escrevendo sem explicar muito. No trecho citado acima, “endon” é trazido à narrativa como uma espécie de solução provisória que Chiba Atsuko (Páprica) encontra para lidar com o mistério da origem e tratamento da depressão. Não existe aqui uma tradição centenária que oferece uma solução; há apenas uma série de teorias insuficientes.
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Vimos que Morimi Tomihiko lida de maneira lúdica e criativa com a tradição médica chinesa. Sua obra é permeada de um realismo mágico ou de uma mágica realidade que abre um espaço possível de jogo, tanto temporal quanto espacial. Ele mistura fato (como o Shāng Hán Lùn) e ficção (o remédio Junpairo) de forma leve e espontânea, como se não houvesse por que a realidade ser de outra forma. Por outro lado, Tsutsui Yasutaka nos oferece uma espécie de magia realista, uma vez que, mesmo quando os sonhos se imiscuem na realidade através do uso distorcido do “DC mini”, ele não parece interessado em ultrapassar o campo do factível: em vez de aparecerem imagens e monstros inéditos, surgem típicas bonecas japonesas, estátuas de Budas gigantes, demônios do folclore japonês e do cristianismo etc.
Podemos notar que o modo como é formulada a relação da literatura japonesa contemporânea com a tradição e a modernidade não está dado como fato absoluto, mas tem de ser (re)construído e arguido com base em como os textos a efetivam ou não. Em apenas dois romances de dois autores, vimos como sua relação com a história passada e presente é passível de elaborações distintas, o que nos faz pensar como, num mesmo tempo presente, uma paisagem, um horizonte nunca têm um sentido estável e único.
NOTAS DE RODAPÉ
1 Utilizamos aqui sempre a forma sobrenome-nome para nos referirmos a japoneses. Referimo-nos aqui à tradução inglesa do primeiro volume de Nihon bungakushi josetsu (Introdução à história da literatura japonesa). Todas as informações desse parágrafo se encontram ao longo do livro, especialmente na Introdução e nos capítulos 2, 3 e 4, dedicados à era Heian 平安時代. Sobre a concepção de uma linha ininterrupta na literatura japonesa, veja- se, p.ex.: “Nunca, na história da literatura japonesa, aconteceu de uma forma e um estilo determinados serem influentes por um período, só para depois serem sucedidos por novos no período seguinte. No Japão, o novo não substituiu o antigo, mas foi adicionado a ele.” [In Japanese literary history it has never been simply the case of one particular form and style being influential in one period only to be succeeded by a new form in the next. In Japan the new did not replace the old, but was added to it.] (1979, p. 4)
2 Ou seja, trata-se de uma espécie de menino velho. Que exista tal personagem em Morimi, pode ser indicativo de que há uma história por trás desse tipo de personagem divino. No entanto, sabemos que, desde a Antiguidade tardia (sec. II), existe na literatura ocidental a tradição do “menino velho” (puer senex) e da “menina velha” (puella senex), cuja história foi traçada por Ernst Curtius, em Literatura europeia e Idade Média latina (2013, pp. 142- 50). No geral, trata-se da união paradoxal de vigor e beleza juvenis com sabedoria.
Além disso, tal como os dois jovens protagonistas do romance de Morimi são referidos apenas por qualidade específicas (“donzela dos cabelos pretos” [kurokami no otome] e “veterano” [senpai]), também as obras da era Heian seguem esse padrão. P.ex., a narrativa Torikaebaya monogatari とりかえばや物語(“História de ‘Quem me dera trocar de lugar contigo!’”), da era Heian (794-1185), apresenta dois protagonistas sem nome, um irmão feminino e uma irmã masculina, na qual um deseja ser o outro: o menino chamado de “Jovem Senhora” ( 姫 君 , himegimi) e a menina, de “Jovem Senhor” (若君, wakagimi), sendo ambos termos usados para se referir a filhos de nobres.
3 Queira ver terceira definição da primeira etimologia no Wiktionary: https://en.wiktionary.org/wiki/%E9%9C%B2#Definitions
REFERÊNCIAS
Curtius, Ernst. Literatura europeia e Idade Média latina. Trad.: Teodoro Cabral. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013.
Jī, Zhāng. Shāng Hán Lùn, On cold damages. Transl. and commentaries: Craig Mitchell, Féng Yè, Nigel Wiseman. Brookline: Paradigm Publications, 1998
IKIRU. Direção: Kurosawa Akira. Produção de Toho Company. Japão: Toho, 1952.
Kato, Shuichi. A history of Japanese literature: the first thousand years. Vol. 1. Trans: David Chibbett. London: The Macmillan Press, 1979.
Morimi, Tomihiko. Yoru wa mijikashi aruke yo otome. Tóquio: Kadokawa Bunko, 2009. [Recurso eletrônico]
. Pengin haiwei. Tóquio: Kadokawa Bunko, 2013. [Recurso eletrônico] PAPURIKA. Direção: Kon Satoshi. Produção de Madhouse. Japão: Sony Pictures Entertainment Japan, 2006.
Tellenbach, Hubertus. Melancholie: Problemgeschichte, Endogenität, Typologie, Pathogenese, Klinik. Vierte Auflage. Berlin; Heidelberg; New York; Tokyo: Springer-Verlag, 1983.
Tsutsui, Yasutaka. Papurika. Tóquio: Shinchosha, 2006. [Recurso eletrônico]
. Toki wo kakeru shoujo. Tóquio: Kadokawa Bunko, 2012. [Recurso eletrônico] YORU WA MIJIKASHI ARUKE YO OTOME. Direção: Yuasa Masaaki. Produção de Science Saru. Japão: Toho, 2017.
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