Por Giovanna Gomes Cardoso de Lima
Palavras-chave: Cultura Hallyu; Política Externa Sul-coreana; Relações sino-coreanas; Cinema; Indústria Musical; Soft Power.
No ano de 2016, o Escritório Geral de Radiodifusão e Televisão da China emitiu a ordem para que as emissoras do país aderissem a uma série de normas que, posteriormente, proibiram por decreto a aparição de artistas sul-coreanos na mídia chinesa e suas apresentações para públicos maiores de 10 mil pessoas. O bloqueio, apelidado Hallyu Ban, impossibilitou a promoção de celebridades sul-coreanas na mídia chinesa, seja em propagandas ou na exibição de filmes e séries, as promoções musicais e shows foram vetadas e alguns grupos de K-pop precisaram seguir seus lançamentos com um número inferior de integrantes.
A decisão chinesa deixou claro, para o público geral, o quanto as relações diplomáticas entre os dois países se encontram fragilizadas devido à decisão da península sul-coreana em autorizar, em seu território, a implantação do Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), sistema de mísseis antibalísticos, em julho daquele ano. Levando em conta as estreitas relações da China com a Coreia do Norte, a inserção de sistemas bélicos norte-americanos na península coreana era vista como grande ameaça ao princípio da não intervenção em assuntos internos dos norte-coreanos. Segundo o jornal Correio da Manhã, o governo chinês acusou os sul-coreanos de abalarem a “confiança mútua” ao concordarem com a instalação do sistema bélico de um país que, à época, tinha um presidente profundamente hostil aos chineses. Portanto, o posicionamento do governo chinês ao banir uma das maiores fontes de disseminação de soft power (NYE, 2002), e o maior produto de exportação sul-coreano foi decisivo para expressar o grau de seriedade no distanciamento das relações entre China e Coreia do Sul.
O soft power se refere a um famigerado conceito elaborado pelo cientista político norte-americano Joseph Samuel Nye Jr., e condiz a concepção de que existe mais de uma forma de demonstração de poder e dominação. O soft power, ou poder suave, se refere a uma forma de dominação quase que indireta e sutil, cujos elementos são majoritariamente ligados à cultura popular e aos bens de consumo. Como por exemplo, a utilização de quadrinhos na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria, a fim de expandir uma perspectiva sociopolítica e econômica para a população. No caso da Coreia do Sul, o Hallyu surge da necessidade de expansão da imagem sul-coreana para o mundo através da cultura pop voltada sobretudo para o setor audiovisual. Diferentemente do caso japonês com o projeto do “Cool Japan” que parte do antecedente que se refere a imagem do Japão no pós-guerra, com a intenção de amenizar a figura do país que tinha sido manchada pelo imperialismo japonês.
A Onda Hallyu traz consigo não somente o K-pop como produto musical, mas também os famosos k-dramas — séries de origem coreana, o nome deriva da palavra “drama” do inglês — e a figura das celebridades enquanto produto nos mais diversos setores. Apostar na indústria do entretenimento tem sido uma prática positiva para a economia sul-coreana, a cultura hallyu por muitas vezes possibilitou a expansão de uma nova imagem do país, que se torna cada vez mais atrativo aos olhos da comunidade internacional. O soft power aplicado pela Coreia do Sul ao resto do mundo expressa resultados significativos e determinantes para a ascensão deste tigre asiático em uma posição cada vez mais relevante nos mais diversos setores da indústria, através da comercialização da figura dos idols e dos atores como forma de venda de seus produtos, que vão desde discos, itens exclusivos, alimentos, eletrônicos, itens de vestuário e veículos.
“I LOVE CATMAN” E A POLÍTICA EXTERNA SINO-COREANA
O grupo sino-coreano EXO, que fez sua estreia em 2012 com o EP¹ denominado MAMA, tinha como foco as promoções mútuas na Coreia do Sul e na China e, até dezembro de 2016, o grupo lançava discos em coreano e mandarim, assim como contavam com a presença do membro chinês Zhang Yixing (LAY). O bloqueio impossibilitou a presença de LAY nos álbuns seguintes e inviabilizou os lançamentos de álbuns musicais completos em mandarim, fazendo com que o grupo precisasse tomar novos rumos nas promoções voltadas para o mercado fonográfico chinês. Atualmente, Zhang Yixing permanece em atividade solo na China, apesar de ainda fazer parte do grupo, sua penúltima aparição junto aos outros integrantes foi no ano de 2018, em uma versão limitada e especial de Don’t Mess Up My Tempo, quinto álbum de estúdio do grupo. Recentemente, o integrante chinês teve participação não somente no clipe da faixa-título do álbum especial de aniversário em comemoração aos 9 anos de carreira do EXO.
Entretanto, a ausência de LAY durante todos os anos de Hallyu Ban, não foi a única questão que afetou o grupo após o enfraquecimento das relações sino-coreanas, visto que outros integrantes do EXO vinham participando de projetos cinematográficos na China desde o lançamento do filme “So I Married My Anti-Fan“, em junho de 2016, protagonizada pelo integrante sul-coreano Park ChanYeol e pela atriz chinesa Yuan ShanShan. No mesmo período, o integrante Oh SeHun faria sua estreia nos cinemas com o romance sino-coreano “I Love Catman” ao lado da atriz chinesa Wu Qian. A película estava prevista para ser lançada um ano após o lançamento de “So I Married An Anti-Fan“, contudo teve seu lançamento adiado por tempo indeterminado. A websérie sino-coreana de curta duração “Dear Archimedes“, também estrelada por SeHun, sofreu o adiamento de seu lançamento, que até hoje segue como indefinido. Quase três anos após o adiamento do lançamento de “I Love Catman”, foi anunciada nova data para a estreia do romance chinês, que, inicialmente, estava previsto para ser lançado nas plataformas chinesas no dia 14 de março do ano de 2021, indo em direção oposta ao Hallyu Ban por se tratar do primeiro filme estrelado por um ator sul-coreano a ser exibido em plataformas de streaming chinesas após anos de bloqueio. A notícia foi amplamente bem recebida pelos veículos de mídia da península sul-coreana, tendo em vista o poder do enorme mercado chinês que, por muitas vezes, assume a posição de maior consumidor de cultura pop sul-coreana.
O Conselho de Filmes Coreanos (KOFIC), órgão responsável pela divulgação do cinema sul-coreano, acredita que o lançamento simboliza uma reaproximação entre a China e a Coreia do Sul. Segundo o Conselho, durante os últimos quatro anos, a China não tem se esforçado em divulgar produções com estrelas da Coreia do Sul e comemorou o destaque que o lançamento está recebendo na China. “Isso pode indicar uma suspensão ao veto”, disse o órgão (HIGHWAYSTAR BLOG, 2021).
Ao fim, “I Love Catman” teve seu lançamento oficial nas plataformas de streaming chinesas Tencent Video e iQiyi no dia 21 de maio de 2021, apesar do atraso e da resistência anterior ao lançamento.
WE ARE ONE: AS BARS CHINESAS
Gastos imensuráveis com projetos grandiosos são a marca registrada das famosas Bars, que são, basicamente, os fansites chineses que acompanham e apoiam a carreira de seus artistas favoritos das mais diversas formas. O OhSeHunBar é conhecido por ser o maior fansite chinês dedicado a um artista sul-coreano de k-pop e, atualmente, possui uma vasta gama de projetos de altíssimo custo financeiro realizados em nome do artista e em apoio a carreira de Oh SeHun, enquanto solista e integrante do EXO. O fansite conta com mais de 4 milhões de seguidores na rede social chinesa Sina Weibo e é conhecido por ser o fansite que mais financia compras massivas de álbuns ou itens nos quais SeHun é embaixador, assim como grandes projetos de aniversário e de caridade. Como exemplo, no ano de 2019, o OhSeHunBar lançou seu conjunto anual de projetos em comemoração ao aniversário de SeHun, onde a primeira ação se referia a um avião exclusivo com temática do Sehun.
Além dos aviões personalizados, foram impressas 100 passagens de voos domésticos da China com a foto de SeHun e mensagem de Xunqis². A segunda parte consistiu em um projeto de caridade voltado para a reconstrução de uma ponte na Província de Shaanxi. A reforma da ponte teve como objetivo permitir que os habitantes de ambos os lados do rio pudessem atravessá-la em segurança. A ponte está localizada na aldeia de ShuiMo, que é uma das mais pobres do país, localizada nas Montanhas Daba, que possuem condições naturais ruins. A ponte original estava desgastada e inutilizada e acabou por se tornar perigosa para os moradores. A reconstrução da ponte foi programada para o início de abril de 2019, na intenção de evitar a época das cheias, ajudar os habitantes a expandir a apicultura e avicultura e diminuir a viagem dos mesmos no dia a dia.
Entretanto, os projetos realizados pelas Bars não se resumem somente a atividades de financiamento e apoio diretamente ligados às carreiras dos artistas, os projetos de arrecadação coletiva de dinheiro também são vinculados a ações de cunho filantrópico, como o plantio de árvores, doações para organizações sem fins lucrativos e até mesmo, a construção de escolas de ensino básico. A fanbase chinesa KaiBar, anunciou em outubro de 2020 a inauguração de seu projeto denominado “Kim JongIn Hope Primary School”, uma escola de educação primária localizada na província de Yunnan, um vilarejo chinês. O projeto garante educação, assistência financeira e transporte escolar para as crianças que também receberão livros e roupas e todos os professores são voluntários. Os fãs alegam que a inspiração do projeto parte de iniciativas de caridade realizadas pelo próprio Kai (Kim JongIn), e, afirmam que as boas ações do idol afetaram diretamente no despertar de um espírito empático entre os fãs que sentiram a necessidade de homenageá-lo através do projeto.
A EXOBar é o fansite chinês dedicado aos nove membros e não se difere da OhSehunBar quando se trata da realização de projetos magnânimos, como por exemplo, a compra massiva de álbuns lançados pelo grupo, como foi no caso recente da pré-venda do mini-álbum especial Don’t Fight The Feeling, que possui um total de 9 versões, sendo duas em grupo, uma individual para cada um dos seis integrantes ativos, exceto LAY, e uma versão acrílica intitulada “Jewel”, que conta com fotos de todos os sete integrantes que participaram da produção deste disco, trata-se da única versão que conta com fotos do integrante chinês. A EXOBar divulgou através de suas redes sociais, a quantidade de álbuns adquiridos, que ultrapassa as 500.000 cópias.
A formatação não-convencional das bases de fãs chinesas recentemente foi alvo de discussões voltadas para os limites da liberdade nas redes sociais, que por sua vez, se tornaram cada vez mais tóxicas no âmbito dos fãs por apresentar comportamento obsessivo. Os rankings de popularidade e as fanbases foram classificados como problemáticas para a criação de um ambiente saudável na internet e, posteriormente, foram banidas do Weibo após uma determinação denominada “Medida QingLang” da Cybespace Administration of China que pede a remoção dos rankings de celebridades e tudo que possa exigir que os fãs gastem dinheiro, assim como a dissolução de grupos de fofoca e bancos de dados.
O órgão responsável pela administração das redes também orientou as celebridades chinesas a conscientizarem seus fãs para que estas irregularidades não ocorram e o ambiente online esteja sempre saudável para todos. A cultura massiva dos fã-clubes expressam uma problemática oriunda da capacidade de adesão e convencimento do soft power aliado ao capitalismo como forma de dominação e disseminação de poder.
A utilização de figuras públicas humanas como influenciadores de pessoas mais jovens coloca em jogo os limites do soft power aliado ao capitalismo, assim como a comercialização destas figuras públicas enquanto objetos passíveis de aquisição através do consumo de filmes, álbuns musicais, concertos e até mesmo sessões de autógrafos e apertos de mão. Citando o caso, do qual, após o lançamento oficial do filme “I Love Catman”, uma esperança foi gerada, não somente para fãs, mas como também para os mais diversos setores da economia na Coreia do Sul, ressaltando a importância da China enquanto parceiro comercial em todo leste-asiático.
¹ A sigla EP vem do inglês “extended play”, usada para um disco longo demais para ser um single, geralmente com duas faixas, e curto demais para ser um LP, ou “long play”.
² A denominação “Xunqis” foi dada aos fãs individuais do cantor que vem do mandarim e significa “cavaleiros(as) que protegem Hun”, visto que o nome do cantor é pronunciado em mandarim como “Wu ShiXun”.
REFERÊNCIAS
OVERVIEW. SM Entertainment. Acesso: http://smentertainment.com/Overview/History . 07 de Abr. 2021.
Chinese rankings reveal which K-Pop idol groups have the biggest fandom in China. Allkpop. 29 jul 2018. Acesso: https://www.allkpop.com/article/2018/07/chinese-rankings-reveal-which-k-popidol-groups-have-the-biggest-fandoms-in-china . 07 de Abr. 2021.
NYE JR, Joseph S. O paradoxo do poder Americano: por que a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
Giovanna Gomes Cardoso de Lima – Estudante do 5° período de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe (somethingelse@academico.ufs.br)
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