Artigos de opinião, Ciência Política

ARTIGO DE OPINIÃO| A corrida tecnológica e a formação econômico social chinesa

Ana Caroline de Sousa Sampaio
Graduanda em Ciências Econômicas – Universidade Federal do Piauí – UFPI Curadoria Política Industrial e Instituições

É sabido que o setor dos semicondutores é liderado hoje pelos EUA. A China ainda apresenta atraso em relação aos norte-americanos, quanto a esta tecnologia. A gestão de Donald Trump já iniciou um processo de barrar o comércio deste setor com o gigante asiático, mas sem sucesso por conta dos alertas da US Semiconductor Manufacturing Association. O mesmo aconteceu no ano de 2020, uma nova regulação dos EUA passou a restringir as importações chinesas, mesmo a associação supracitada ratificando que tal restrição era ainda mais negativa para os EUA do que para a China. A associação parece ter acertado em parte de sua previsão. Essa restrição fez o setor de semicondutores chinês debruçar-se sobre seu mercado interno, bem como sobre uma cadeia de suprimento competitiva global. Esta é uma das estratégias prioritárias do 14º plano quinquenal: dominar o setor até 2025, ampliando assim a disputa hegemônica.


A China colocou em prática sua estratégia a partir de algumas dimensões: contratando diversos engenheiros de chip da região de Taiwan e os remunerando muito bem; formando uma aliança com a Rússia, transferindo assim muitos investimentos em pesquisa para esse parceiro e por fim investindo em um programa de produção de chips de última geração sem se utilizar de equipamentos norte-americanos. Além da Alibaba – empresa chinesa de e-commerce e que é a maior empresa de capital aberto da Ásia (GEROLMEL, 2019) – que lançou o seu chip com design próprio há alguns meses, recentemente a Tencent – maior empresa de serviços de internet da China – lançou três chips de design próprio impulsionando mais ainda o desenvolvimento dos semicondutores dentro do território chinês. Os chips, que são de inteligência artificial, transcodificação e um controlador de interface, já em sua fase de experimentação apresentam desempenho melhor do que os da Alibaba.


Já em outubro de 2021 a China, através do físico Pan Jianwei, da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, informou que o país desenvolveu o computador quântico mais rápido do mundo capaz de realizar em um milissegundo um trabalho que demoraria 30 trilhões de anos em um computador convencional, sendo assim mais rápido até do que o computador quântico desenvolvido pela Google. Esse progresso na computação quântica por parte da China é um avanço na pesquisa e desenvolvimento de forma geral no país, já que acelera muito o processo de P&D, com respostas mais rápidas às pesquisas desenvolvidas, trazendo a possibilidade da China alcançar aquilo que é planejado de autonomia e também hegemonia tecnológica.


Com essas sucessivas notícias em relação à tecnologia chinesa, é perceptível que aquilo que a associação norte-americana previu vai aos poucos se concretizando. A China avança muito rápido no setor de semicondutores, o que certamente não é bom para o imperialismo dos EUA e sua posição hegemônica nesse setor.


Para além de observar o avanço tecnológico chinês como um fenômeno isolado, é interessante observa-lo dentro do processo de formação social e econômico da China. Considerando o país enquanto um socialismo de mercado, 15permitindo assim, em sua etapa inicial a convivência de diversas estruturas e modos de produção (JABBOUR, DANTAS, 2020), assistimos um forte protagonismo do Estado e de seus conglomerados. Furtado, defendia que as contradições do desenvolvimento seriam resolvidas através do aprofundamento dessas contradições e a China parece fazer isso de forma muito evidente. Essas gigantes tecnológicas cresceram, se tornam bilionárias empresas e o planejamento nacional chinês sempre busca controla-las para que isso reverbere na sociedade chinesa como um todo, seja através do consumo interno, seja através do controle estatal e esse fato ilustra o que na teoria do professor Jabbour é uma transição de uma economia puramente de valor de troca, para uma economia de valor de uso. E como se daria isso? Essa formação de base material e produtiva permite um impacto no aspecto improdutivo, através, por exemplo, do consumo. É a China caminhando para uma nova etapa do socialismo, uma etapa superior.


Sumarizando, o rápido avanço tecnológico chinês enfatiza uma disputa geopolítica muito grande, assim como econômica. Traz uma autonomia da produção tecnológica industrial maior para a China, ao mesmo tempo, que acelera um processo de formação econômico social que ainda está em curso. É curioso e também empolgante assistir essa disputa, observar como o forte planejamento chinês alcança seus objetivos e quando não o alcança, o quão rápida é a capacidade de resposta do país, como foi o caso das restrições americanas às importações chinesas e também à própria crise da COVID-19. É certo dizer que a questão industrial e tecnológica encabeça essa disputa e também essa consolidação de formação de um modo de produção muito contraditório e bem sucedido.

Referências:

https://www.scmp.com/tech/tech-war/article/3154744/tencent-launches-three-self-designed-chips-expansion-drive-helping


https://www.paulogala.com.br/o-plano-da-china-de-us-14-trilhao-para-dominar-a-industria-mundial-de-semicondutores-ate-2025/


https://asiatimes.com/2020/09/huawei-sanctions-will-destroy-us-chip-industry/


https://mundoconectado.com.br/noticias/v/21287/china-anuncia-que-tem-o-computador-quantico-mais-rapido-do-mundo


GEROMEL, Ricardo. O poder da China. São Paulo: Editora Gente, 2019.


JABBOUR, Elias; DANTAS, Alexis. SOBRE A CHINA E O “SOCIALISMO DE MERCADO” COMO UMA NOVA FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL. Nova econ. 2020

https://doi.org/10.1590/0103-6351/5544. Acesso em 21 out 2021.

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