Curadoria de Matrizes Energéticas e Meio Ambiente
Emily Teodoro
Entre as implicações do uso de tecnologia blockchain para o setor energético está o alto consumo de energia e as consequentes emissões de carbono da mineração de criptomoedas, particularmente do Bitcoin. A China, centro das maiores operações de mineração da moeda, tem lançado medidas que restringem a atividade no país. Embora a preocupação com especulação financeira esteja no centro dessas discussões, a grande quantidade de energia que a mineração de Bitcoin demanda já é um problema não negligenciável. Estudos indicam que, sem intervenção política, a mineração de bitcoin poderia minar os planos de longo prazo da China em atingir a neutralidade de carbono.
O Bitcoin é uma moeda digital que tem como características centrais a descentralização, a auditabilidade, o anonimato e, principalmente, a alta lucratividade[1]. Essas características levaram ao seu uso contínuo em investimentos e atividades especulativas, ocasionando uma corrida em busca dos melhores equipamentos para aumentar o poder computacional e, consequentemente, o consumo de energia. Com isso, grandes centros de mineração se proliferaram pelo mundo, concentrando-se em regiões com energia barata e acesso a hardware especializado.
Províncias chinesas, como Mongólia Interior, Xinjiang e Sichuan, acolheram essas chamadas “fazendas de criptomoedas”, permitindo que elas se registrassem como data centers, além de oferecerem descontos em eletricidade e em impostos. A Mongólia Interior, região autônoma no norte da China, aproveitou da abundância de eletricidade movida a carvão produzida localmente e se tornou um centro para mineração de bitcoin. Ela usava uma “escada de preços invertida” para indústrias intensivas em energia. A política, que atraiu muitas fazendas de bitcoin, abaixou o preço da eletricidade quanto mais uma empresa consumia. No entanto, em 2020, o governo central da China advertiu a região autônoma por não cumprir suas metas de redução do consumo de eletricidade. Como resultado, em março deste ano, a região se fechou a certas indústrias intensivas em energia, incluindo fazendas de criptomoeda.
Mas afinal, o que é blockchain e como funciona a mineração de criptomoedas?
O blockchain é considerado como uma das tecnologias mais promissoras e atraentes para uma variedade de setores, como gestão de logística e Internet das Coisas (Internet of Things – IoT) (JIANG et al, 2021, p. 2). Essa tecnologia pode ser definida como um banco de dados de transações descentralizado, em que cada parte da rede tem acesso ao histórico completo de transações realizadas. A comunicação e a verificação ocorrem diretamente entre os pares e não por meio de um nó central ou intermediário. Esse processo de verificação é conhecido como mineração (FRY; SERBERA, 2020).
O bitcoin foi o primeiro uso mais difundido da tecnologia blockchain. A mineração de bitcoin está ligada à solução de problemas complexos de criptografia matemática. Ao resolver esses problemas, os mineradores recebem como recompensa o bitcoin.
O bitcoin é codificado para criar competição. O mecanismo atual de mineração, chamado proof-of-work (Prova de trabalho), recompensa aqueles que mais possuem capacidade de processamento, o hashrate – a velocidade que estes mineradores conseguem processar dados – que fazem os cálculos mais rápidos para um determinado conjunto de transações. Isso deu início a uma espécie de “corrida armamentista”, com os mineradores incentivados a usar o máximo possível de equipamentos de primeira linha, acumulando enormes contas de energia. Felizmente, para eles, o preço do Bitcoin também subiu. No início de 2013, 1 bitcoin valia US$ 13,40; com a taxa de câmbio acima de US$ 50.000 em grande parte de 2021, a mineração continuou extremamente lucrativa (YOU, 2021). Em junho de 2021, a capitalização de mercado do Bitcoin chegava a US$ 644 bilhões, respondendo por cerca de metade da capitalização de mercado total de todas as criptomoedas[2].
Consumo de energia e falta de sustentabilidade
Como dito anteriormente, para verificar as transações de bitcoin, os mineradores devem resolver problemas matemáticos extremamente complexos, essencialmente por tentativa e erro, o que requer sistemas de computador complexos com grande poder de processamento. E isso, consequentemente, consome uma grande quantidade de energia.
Estudos recentes indicam que o crescente consumo de energia e as emissões de carbono associadas à mineração de bitcoin podem minar os esforços globais de sustentabilidade. Atualmente, o consumo de energia da mineração global de Bitcoin corresponde a um país de pequeno a médio porte, como Dinamarca, Irlanda ou Bangladesh (JIANG et al, 2021, p. 2). Krause e Tolaymat (2018) estimam que, entre 2016 e 2018, até 13 milhões de metros cúbicos de emissões de CO2 podem ser atribuídas ao bitcoin. Só na China, se não houver qualquer intervenção política, o consumo anual de energia poderá atingir, em 2024, o pico de 296,59 TWh e gerar 130,50 milhões de toneladas métricas de emissão de carbono (JIANG et al, 2021).
Uma solução frequentemente proposta para a pegada de carbono do bitcoin é substituir o mecanismo de mineração atual, “prova de trabalho”, por “prova de aposta” – uma maneira de verificar transações que não exigem quase tanto poder de computação. Mas sua natureza descentralizada torna essas mudanças fundamentais difíceis. É improvável que os mineradores de bitcoins concordem com algo que torne inútil seu hardware caro. Além disso, a alta valorização do Bitcoin é um reflexo de seus custos de mineração, que incluem energia (YOU, 2021).
Outra via vista pelos mineradores é o uso de energia limpa, principalmente hidrelétrica. Na China, muitos mineradores passaram a atuar em duas províncias do sudoeste ricas em hidrelétricas: Sichuan e Yunnan. Elas já atraiam, historicamente, indústrias com uso intensivo de energia, desde fábricas de produtos químicos e alumínio até fazendas de criptomoedas. No entanto, em períodos de seca, a demanda aumentaria e, consequentemente, geraria necessidade do uso de termelétrica, o que continuaria inviável (YOU, 2021).
O “cerco” à mineração de bitcoin na China
A China é, hoje, um grande centro de mineração de bitcoin. Dada a posição do país como um centro de manufatura de eletrônicos, os mineradores possuem acesso a hardware especializado, além do acesso à energia barata e relativamente estável (cerca de 2 centavos de dólar). A China possui hoje 65,08% do hashrate médio mensal e atualmente ocupa o primeiro lugar em consumo anual de eletricidade por mineração de bitcoin com 6.453,17 TWh, segundo dados da Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index da Cambridge University.
Cerca de 60% a 70% do bitcoin é extraído atualmente na China, onde mais de dois terços da geração de eletricidade vem do carvão (IEA, 2019). Apesar da atratividade, o governo central da China, há muito tempo, é cético em relação às criptomoedas. Em 2013, o Banco Central Chinês proibiu as instituições financeiras de usar e negociar em Bitcoin e moedas semelhantes. Em 2017, a China fechou as plataformas domésticas de negociação de criptomoedas e proibiu o lançamento de novas criptomoedas, chamadas de ofertas iniciais de moedas (YOU, 2021).
Em maio deste ano, após reunião do Comitê de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento do Conselho de Estado, o país decidiu “reprimir a mineração e o comércio de bitcoin“. A súbita repressão foi em grande parte impulsionada pela natureza inerentemente especulativa das criptomoedas e pela extrema aversão ao risco do Partido Comunista Chinês (PCC), bem como a pressão sob os governos locais para reduzir as emissões de carbono. Com isso, fazendas de criptomoedas foram encerradas em Xinjiang e Mongólia Interior, onde a mineração era alimentada principalmente por carvão.
Com o cerco à mineração fechando desde o início do ano, muitos mineradores se deslocaram para a província de Sichuan, rica em energia hidrelétrica. Contudo, em junho, uma medida do governo provincial exigiu o fechamento das instalações de mineração de criptomoedas na província (HUI; CHENG, 2021). O compromisso do governo chinês com a eficiência energética e a redução de emissões limitam a expansão de indústrias de alto consumo de energia, como a mineração de criptomoedas, mesmo em regiões ricas em energia renovável, como a hidrelétrica. Agora, mineradores chineses deslocados começaram a buscar refúgio em jurisdições mais amigáveis à atividade, como Estados Unidos, Cazaquistão e Rússia.
REFERÊNCIAS
CAMBRIDGE UNIVERSITY. Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index. Cambridge Centre for Alternative Finance, 2021. Disponível em: https://cbeci.org/. Acesso em: 17 jun. 2021.
FRY, John; SERBERA, Jean-Philippe. Quantifying the sustainability of Bitcoin and Blockchain. Journal Of Enterprise Information Management, [S.L.], v. 33, n. 6, p. 1379-1394, 18 mar. 2020. Emerald. http://dx.doi.org/10.1108/jeim-06-2018-0134.
IEA. Bitcoin energy use – mined the gap. IEA: Paris, 2019. Disponível em: https://www.iea.org/commentaries/bitcoin-energy-use-mined-the-gap. Acesso em: 17 jun. 2021.
JIANG, Shangrong et al. Policy assessments for the carbon emission flows and sustainability of Bitcoin blockchain operation in China. Nature Communications, [S.L.], v. 12, n. 1, p. 1-10, 6 abr. 2021. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/s41467-021-22256-3.
KRAUSE, Max J.; TOLAYMAT, Thabet. Quantification of energy and carbon costs for mining cryptocurrencies. Nature Sustainability, [S.L.], v. 1, n. 11, p. 711-718, nov. 2018. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/s41893-018-0152-7.
HUI, Xiao; CHENG, Kelsey. In depth: the fall of China’s last bitcoin mining haven. 2021. Disponível em: https://asia.nikkei.com/Spotlight/Caixin/In-depth-the-fall-of-China-s-last-bitcoin-mining-haven. Acesso em: 27 ago. 2021.
YOU, Li. As China Pursues a Green Future, Bitcoin Miners Feel the Squeeze. 2021. Disponível em: http://www.sixthtone.com/news/1007483/as-china-pursues-a-green-future,-bitcoin-miners-feel-the-squeeze. Acesso em: 17 jun. 2021.
[1] Em março de 2021, o bitcoin bateu recorde e chegou a valer US$ 60 mil.
[2] https://coinmarketcap.com/
Emily Teodoro é graduanda em Relações Internacionais na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). (emily.rafany14@gmail.com)
Leave a Reply