Artigos de opinião

ARTIGO DE OPINIÃO | Recuperação econômica e questões ambientais na China pós COVID-19

Curadoria de Matrizes Energéticas e Meio Ambiente

André Maia

A situação pandêmica de COVID-19, enfrentada pela humanidade, tem colocado em confronto diversos elementos. Talvez a que tenha recebido maior atenção e fonte de debate, pelos governantes, veículos de comunicação e sociedade em geral, tenha sido a dualidade entre saúde e economia. Ainda que não seja possível dissociar as inúmeras esferas da vida no sistema capitalista, no qual vivemos hoje, e o seu impacto na sociedade, uma vez que, este sistema é resultado de processos históricos socialmente construídos, a economia é uma das esferas que recebe especial atenção, e consequentemente, relevante importância. A elevação da economia como um aspecto essencial para a manutenção do modelo de sociedade atual, traz consigo diversas consequências, dentre elas, aquelas que afetam o meio ambiente. Mesmo que políticas ambientais venham sendo elaboradas e implementadas nas últimas décadas, o cenário de pandemia global tem colocado a recuperação econômica acima das questões ambientais. Esta é a realidade chinesa ao longo do ano de 2020 e nos primeiros meses de 2021. Entretanto, as questões ambientais chinesas são consequência de um modelo de desenvolvimento econômico adotado mundialmente, que se associam a disputas econômicas e geopolíticas internalizadas em discursos críticos da realidade atual chinesa e duvidoso acerca da capacidade do país em cumprir as políticas propostas em relação ao meio ambiente.

O resultado econômico chinês, em 2020, contrariou todas as expectativas, acirrando ainda mais as disputas geopolíticas mundiais. Com um crescimento de 2,3%, o país foi a única grande economia do planeta a apresentar crescimento (TIME, 2021). As bases para isso estiveram assentadas em estímulos direcionados para setores da indústria pesada e de infraestrutura, que apresentam um alto consumo energético, como o siderúrgico, de cimento e químico, cujas evidências demonstraram o descumprimento de normas relacionadas a emissão de poluentes e tempo de operação (ECONOMY, 2021). Estas ações implicaram na ampliação do consumo de energia, cuja matriz energética ainda é fortemente dependente do carvão. Em 2020, o consumo de carvão teve um acréscimo de 0,6% comparado ao ano anterior (REUTERS, 2021), correspondendo a 56,8% no total da energia consumida, porém a participação foi inferior ao ano anterior, em que o carvão foi responsável por 57,7% (TRIVIUM, 2021). A previsão da Associação Nacional de Carvão da China é que o consumo de carvão cresça 6% até 2025, assim como sua produção (CAIXIN, 2021). A maior parte do carvão consumido foi para geração de energia elétrica, 66% no ano de 2019. Nesse ponto, a participação da China tem aumentado, em 2015, a produção de energia elétrica oriunda do carvão no país representava 44% do total mundial, já em 2020 foi de 53% (REUTERS, 2021), e essa capacidade vem sendo ampliada. Em 2020, a capacidade ativada foi superior ao acumulado nos dois anos anteriores (ECONOMY, 2021). Outro setor que ampliou sua capacidade de produção foi o de refino de petróleo, que associado a redução da atividade em outros países tornou a China o maior refinador mundial em 2020 (ROCHA, 2021).

O aumento da atividade produtiva dos setores acima citados fez com as emissões de CO2 aumentassem. Nos primeiros quatro meses de 2021 foi registrado um aumento de 9% em comparação ao período pré-pandemia (REUTERS, 2021), sendo o carvão responsável por mais de 75% das emissões. Isso demonstra a importância do recurso na geração de energia do país, que associado a outros recursos fósseis, fazem com que este seja responsável por 28% das emissões mundiais de CO2, percentual superior a de Estados Unidos, Índia e Rússia em conjunto (UNION OF CONCERNED SCIENTISTS, 2021). Para além das questões internas, o capital chinês tem sido responsável por cerca de 25% do financiamento mundial de novas plantas de usinas a carvão (MCDONNEL, 2021), o que significa investimentos em outros países, principalmente através do projeto Belt and Road Initiative. Os compromissos chineses referente a questões ambientais internas e a atuação no exterior tem sido fonte de intensas críticas por parte de outros países, principalmente de Estados Unidos e Europa. Entretanto, é preciso considerar elementos presentes em uma disputa geopolítica entre esses países, o que pode comprometer os esforços ambientais chineses, como o caso da recente declaração do governo estadunidense de sancionar os painéis solares e outros componentes de energia renovável chineses produzidos na região de Xinjiang (KNICKMEYER, 2021). Além de que, a maior parte da matéria prima para produção desses painéis são oriundas dessa região, o que faz com que a China controle mais de 80% das reservas mundiais desse recurso (ECONOMY, 2021).

As questões ambientais passaram a ser incorporadas nas políticas chinesas recentemente. Até então, os chineses eram reticentes a sacrificar o desenvolvimento econômico em prol da proteção ambiental. Essa resistência se dava principalmente dentro da estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU), onde diplomatas argumentavam que os países, hoje desenvolvidos, deveriam arcar com a maior parte dos custos ambientais, visto que o crescimento econômico destes se deu em um contexto sem limites para a exploração ambiental (MAIZLAND, 2021). Não obstante, esse posicionamento chinês não implicava numa recusa completa da adoção de políticas favoráveis a preservação ambiental, mas sim uma associação destas com o desenvolvimento econômico. Segundo alguns economistas chineses, somente através do desenvolvimento econômico é possível resolver os problemas ambientais (TIME, 2021). Esse discurso nos remete a uma discussão acerca do direito ao desenvolvimento dos povos e a ideia desenvolvida pelo economista sul-coreano Ha-Joon Chang, em seu livro Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, na qual os países desenvolvidos buscam impedir o desenvolvimento dos demais através da limitação das políticas e instituições que foram utilizadas para o seu desenvolvimento.

Recentemente, a China tem colocado em prática uma estratégia para construção de um futuro mais sustentável, buscando implementar novas tecnologias na área de energia e proteção ambiental. Assim, desde o 13º Plano Quinquenal (2016-2020) objetivava-se a ampliação de fontes energéticas renováveis, atingindo os 15% planejado (TRIVIUM, 2021). Em termos de investimentos no setor, dados de 2019 demonstraram que a China foi o país que mais investiu, com predominância de projetos eólicos, seguido de Japão e Índia, onde projetos solares foram os preferidos (JAGDEV, 2021). Em 2020, a capacidade mundial eólica instalada cresceu 15%, sendo a China o maior contribuinte para esse acréscimo, responsável por 39% do total (RYSTAD ENERGY, 2021). Os investimentos em energia eólica e solar fazem com que aproximadamente 11% do consumo primário de energia tenham como fonte esses recursos (ECONOMY, 2021).

Todas essas ações estão inseridas nas políticas adotadas pelo governo chinês, as quais têm sido constantemente reafirmadas e ampliadas. O líder chinês, Xi Jinping, tem reafirmado o comprometimento delineado em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2020, em atingir o pico de emissões de CO2 antes de 2030 e a neutralidade até 2060. Neste mesmo caminho, os planos são aumentar a participação de fontes não-fósseis no consumo energético primário em 25% e reduzir a intensidade de carbono em mais de 65% até o ano de 2030 (XINHUA, 2020). No aprofundamento dessas ações, o governo chinês lançou, no início de 2021, um sistema de comércio de emissões, que faz parte de um conjunto de iniciativas financeiras verde (RUDD; RITCHIE, 2021). Todas essas ações fazem parte de uma ideia chinesa de “civilização ecológica”, que está incluída no 14º Plano Quinquenal (2021-2025) como um dos objetivos para o desenvolvimento econômico e social do país e que representam os objetivos climáticos de longo prazo.

Ainda que, durante o seu processo de desenvolvimento econômico, a China não tenha direcionado seus esforços em direção as questões ambientais, o êxito conquistado ao longo das últimas décadas tem levado o país a passar a considerar a proteção ambiental e a sustentabilidade. Essa trajetória chinesa se apresenta como uma oportunidade e desafio para a cooperação internacional na preservação ambiental. Ao mesmo tempo que a mitigação dos efeitos danosos da ação humana no planeta tem se demonstrado cada vez mais urgente, a competição por tecnologias e processos de manufatura, com menor impacto ao meio ambiente, tem potencial negativo no processo colaborativo multilateral. Apesar do inegável impacto ambiental que o desenvolvimento chinês provocou, o modelo adotado não se diferenciou daqueles adotados por outros países desenvolvidos. Além disso, as críticas dirigidas a China e uma costumeira descrença a qualquer objetivo estabelecido, tratam o país como uma unidade do sistema internacional e desconsideram que o país abriga aproximadamente 25% da população mundial. 

Ao considerarmos esse fato, o peso chinês em questões ambientais e no consumo energético em relação a cada pessoa é inferior a grande maioria dos países desenvolvidos, o que implica que, ao negligenciar-se essa análise, ignora-se um dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU que garante o direito ao desenvolvimento, este sendo um processo econômico, social, cultural e político e, consequentemente, estabelece-se um juízo de valor em que um indivíduo usufrui de mais direito que outro, o qual é determinado pelo seu local de nascimento. Sem embargo, a preservação ambiental não está dissociada do modelo de sociedade, e consequentemente, do modelo de desenvolvimento adotado por esta. Resta-nos refletir se estes modelos são compatíveis com a preservação do meio ambiente, mesmo que tenhamos uma migração dos recursos energéticos de origem fóssil para os renováveis, pois estes, ainda que provoquem menor impacto ambiental, são dependentes da exploração e extração dos recursos naturais que nos resta.

REFERÊNCIAS

CAIXIN. China’s Coal Consumption Predicted to Grow 6% by 2025. Disponível em: https://www.caixinglobal.com/2021-03-04/chinas-coal-consumption-predicted-to-grow-6-by-2025-101670665.html. Acesso em: 03 jun. 2021.

ECONOMY, Elizabeth. China’s Climate Strategy. Disponível em: https://www.prcleader.org/economy?utm_campaign=fc78b417-498b-4134-9cec-7f82ed2fdcba&utm_source=so&utm_medium=mail&cid=2717aa4c-64e3-4b83-9e32-09da80752fb6. Acesso em: 01 jun. 2021.

JAGDEV, Suman. Emergence of Asia-Pacific Renewable Energy Sector. Disponível em: https://www.saurenergy.com/solar-energy-news/emergence-of-asia-pacific-renewable-energy-sector. Acesso em: 29 mai. 2021.

KNICKMEYER, Ellen. Kerry: US weighs sanctions on China solar over forced labor. Disponível em: https://apnews.com/article/china-middle-east-race-and-ethnicity-religion-forced-labor-7aed002b2719c5a530f104022b14b53e. Acesso em: 20 mai. 2021.

MCDONNELL, Tim. The problem with China’s new carbon trading market. Disponível em: https://qz.com/1971281/the-problem-with-chinas-new-carbon-trading-market/. Acesso em: 04 jun. 2021.

MAIZLAND, Lindsay. China’s Fight Against Climate Change and Environmental Degradation. Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/china-climate-change-policies-environmental-degradation. Acesso em: 31 mai. 2021.

REUTERS. China CO2 emissions 9% higher than pre-pandemic levels in Q1 -research. Disponível em: https://www.reuters.com/business/sustainable-business/china-co2-emissions-9-higher-than-pre-pandemic-levels-q1-research-2021-05-20/. Acesso em: 03 jun. 2021.

REUTERS. China’s coal consumption set to rise in 2021 despite Beijing’s carbon neutral goal. Disponível em: https://www.scmp.com/economy/china-economy/article/3123937/chinas-coal-consumption-set-rise-2021-despite-beijings-carbon. Acesso em: 31 mai. 2021.

REUTERS. China generated over half world’s coal-fired power in 2020: study. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-climate-change-china-coal/china-generated-over-half-worlds-coal-fired-power-in-2020-study-idUSKBN2BK0PZ. Acesso em: 03 jun. 2021.

ROCHA, Isaque. China ultrapassa os EUA como maior refinador do mundo. Disponível em: https://opetroleo.com.br/china-ultrapassa-eua-como-maior-refinador-mundo/. Acesso em 31 mai. 2021.

RYSTAD ENERGY. Global installed offshore wind capacity to see 37% growth in 2021, fueled by China. Disponível em: https://www.rystadenergy.com/newsevents/news/press-releases/global-installed-offshore-wind-capacity-to-see-37pct-growth-in-2021-fueled-by-china/?utm_source=Sugar+Market&utm_medium=newsletter&utm_campaign=RE+Insights+February. Acesso em: 11 mar. 2021.

RUDD, Kevin; RITCHIE, Alistair. China’s vital emissions trading scheme. Disponível em: https://asia.nikkei.com/Opinion/China-s-vital-emissions-trading-scheme. Acesso em 10 mar. 2021.

TIME. The Environmental Challenges of China’s Recovery After COVID-19. Disponível em: https://time.com/5935138/chinas-environment-economic-recovery/. Acesso em: 31 mai. 2021.

TRIVIUM. It’s not all bad news. Disponível em: https://triviumchina.com/2021/03/09/its-not-all-bad-news/. Acesso em: 09 mar. 2021.

UNION OF CONCERNED SCIENTISTS. Each Country’s Share of CO2 Emissions. https://www.ucsusa.org/resources/each-countrys-share-co2-emissions

XINHUA. Remarks by Chinese President Xi Jinping at Climate Ambition Summit. http://www.xinhuanet.com/english/2020-12/12/c_139584803.htm

Leave a Reply