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ARTIGO DE OPINIÃO | Relações sino-africanas frente aos impactos da COVID-19

Curadoria de Relações Sino-Africanas

Ana Luiza Gomes Marinho
Bianca Mateus Rosa
Lívia Maria dos Santos Araújo
Rebeka Vilaça de Lima Alves

Introdução
Há pouco mais de duas décadas, acontecia em Pequim a primeira Conferência Ministerial do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), um marco da crescente consolidação das relações entre as partes, que vêm se tornando mais estreitas em diversas esferas de cooperação ao longo do tempo. Desde a fundação do Fórum, o fluxo comercial sino africano multiplicou por 20 e o investimento direto da China no continente aumentou mais de 100 vezes (GLOBAL TIMES, 2021). No seu escopo institucional, o FOCAC conta com espaços temáticos de interlocução, como o Fórum Ministerial sobre Cooperação China-África em Saúde, a Conferência de Redução da Pobreza e Desenvolvimento China-África, entre outros. Além do FOCAC, a União Africana também mantém parcerias e acordos diretos com o Estado chinês.

Com a pandemia do novo coronavírus, o mundo testemunha uma crise sanitária em que a cooperação internacional se converteu em um aparato decisivo no combate ao vírus e na recuperação de países afetados. Com o avanço no número de casos e mortes ao redor do mundo, surgiram questionamentos sobre como a África iria lidar com as repercussões diversas que a COVID-19 traria para a população do continente. Por outro lado, a China vinha respondendo ao vírus de forma eficaz com o lançado Comitê de Prevenção e Controle da COVID-19, que desenvolveu uma série de estratégias para combater a disseminação do vírus, provando ser uma estratégia bem-sucedida. Ainda em 2020, um artigo publicado por cientistas de todo o mundo na revista Science declarou que as medidas de controle adotadas na China contêm lições para outros países (BRASIL DE FATO, 2020).

Nesse contexto, o FOCAC tornou-se um dos principais instrumentos entre a China e a África para uma cooperação em saúde com esforços pelos dois lados para uma perspectiva promissora na era pós-pandemia. Ao longo dos últimos meses, a China exportou centenas de lotes com suprimentos de prevenção de epidemias para a África, enviou equipes de especialistas médicos a 15 países africanos, ofereceu vacinas a outros 35 e à Comissão da União Africana (GLOBAL TIMES, 2021).

Para exemplificar como essa relação é incentivada pelos dois lados, convém mencionar uma recente conversa do presidente chinês Xi Jinping com o seu homólogo da República Democrática do Congo, Felix Tshisekedi. Na ocasião, os dois líderes incentivaram um aprofundamento dos laços de cooperação. Xi também realçou que espera que China e África aprofundem a cooperação em campos como a construção de zonas de livre comércio, saúde pública, paz e segurança, bem como a mudança climática. Já o lado africano espera fortalecer a cooperação com a China em áreas como o combate à pandemia, a restauração do crescimento econômico, a proteção do meio ambiente, a construção de áreas de livre comércio e o impulso a novos progressos nas relações África-China e no FOCAC (XINHUA, 2021).

Assim sendo, este artigo tem como objetivo analisar a cooperação focada em saúde entre a China e o continente africano no contexto da pandemia do novo coronavírus. Primeiro, tratamos das diversas reações por parte do governo dos Estados Unidos devido ao crescente aumento dos laços entre China e África. Depois, apresentamos as diversas iniciativas chinesas de auxílio a países africanos com insumos, investimentos e produtos para o combate à pandemia, além da contribuição para o andamento da vacinação na África.

A atuação da China na África em detrimento dos EUA

A República Popular da China é uma das maiores economias do planeta, assim como um dos países mais industrializados do mundo. Nesse sentido, trata-se de grande candidata a superpotência do mundo hodierno, ameaçando a hegemonia ocidental liberal, comandada pelos Estados Unidos. A crescente influência chinesa na economia global acirrou a relação com os norte-americanos. Em meados de 2018, foi disparado o gatilho para o início da guerra comercial entre os países, visto que, de acordo com a revista Exame, a China exportou US$ 530 bilhões e importou apenas US$ 120 bilhões em mercadorias dos Estados Unidos, gerando um déficit considerável para os últimos.

O então presidente Donald Trump adotou uma resposta protecionista, taxando em 45% os produtos originários da China. Por sua vez, o governo chinês retorquiu as taxações e desvalorizou sua moeda, barateando produtos nacionais e tornando os artefatos estadunidenses mais caros. Tal guerra comercial segue ainda sem um acordo. O paliativo mais recente foi equilibrar as compras e vendas entre ambos, para que nenhum país lucre de maneira exacerbada sobre o outro.

Mediante o fato elencado, de que forma esta guerra comercial afeta a relação da China com a África? Com o início da pandemia da COVID-19 no mundo e o aumento dos casos da doença no continente africano, a China assinou um protocolo para que seja construído o novo Centro de Controle de Doenças da União Africana (CDC). O CDC também conta com um aporte milionário da China, cerca de US$ 80 milhões, para a construção de sua nova sede. O financiamento foi anunciado em 2018 e a construção, antecipada para 2020. A edificação, localizada em Adis Adeba, capital da Etiópia, instigou a tensão geopolítica entre os Estados Unidos e a China, haja vista que os países possuíam pactos de cooperação na área da saúde, levando o país norte-americano a cortar toda a colaboração técnica no setor.

Ademais, os norte-americanos fizeram sérias acusações de espionagem ao afirmarem que o prédio voltado para o controle de doenças (CDC) é um centro chinês a ser utilizado para espreitar outros países. Perante as acusações, autoridades de diversos países africanos pontuam a solidificação do relacionamento com o governo asiático, que perpassa pela infraestrutura, pelo comércio, entre outras frentes.

Durante a pandemia, a China exportou mais de 3 bilhões de máscaras para diversos continentes, dentre eles o africano, além de doar testes para a detecção do coronavírus, respiradores e equipamentos de proteção individual (EPIs). Para além da atual pandemia, é fato que, nos últimos anos, o país asiático vem buscando fortalecer o relacionamento com a
África na área da saúde. A bem da verdade, os governos africanos almejam que o robustecimento dessa parceria estimule a competição, aumentando o interesse dos Estados Unidos no continente.

O atual presidente norte-americano, Joe Biden, afirma que existirá mudanças na política externa tangente à África. O secretário de Estado, Antony Blinken, fez um alerta relacionado à China e sua presença no continente, reforçando que o governo Democrata pretende manter a posição estadunidense de superpotência na geopolítica mundial.

3. A colaboração entre a China e os países africanos: recursos no contexto pandêmico

3.1 A contribuição chinesa com equipamentos de proteção e suprimentos médicos à
África

Fonte: Ajuda médica chinesa a chegar ao Aeroporto Internacional de Acra, no Gana, a 6 de abril. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/covid-19-influ%C3%AAncia-da-china-em-%C3%A1frica-aumenta-em-tempos-de-crise/a-53235979

Durante a pandemia do novo coronavírus, a China empreendeu esforços a fim de contribuir com equipamentos de proteção à África. Um dos exemplos foi a reserva mensal de 30 milhões de testes, 80 milhões de máscaras e 10 mil ventiladores para o continente africano. O anúncio foi feito no final da conferência entre o Comitê de chefes de Estado e de Governo da Assembleia da União Africana (UA) e dos Presidentes das Comunidades Econômicas Regionais da UA. Esse número expressivo mostra o compromisso que a China tem firmado em relação à cooperação internacional para conter a COVID-19 (RTP, 2020).

Além das iniciativas do governo chinês, as fundações do empresário Jack Ma também têm mobilizado recursos para o combate à pandemia na África. Apenas em uma única doação (a terceira), em abril de 2020, foram 4,6 milhões de máscaras, 500 mil cotonetes e kits de teste, 200 mil trajes de proteção, 2 mil termômetros, 100 scanners de temperatura, 500 mil pares de luvas e 300 respiradores (XINHUA, 2020). Todos esses equipamentos foram recebidos pelo Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), instituição técnica da UA estabelecida para dar suporte aos programas de saúde pública dos Estados membros e que tem desempenhado um papel fundamental para o controle e tratamento de epidemias no continente.

Em discurso na Global Health Summit, em 21 de maio de 2021, o presidente Xi Jinping reforçou a importância de ter a ciência como base para o desenvolvimento das respostas à doença, bem como promover a solidariedade com o intuito de diminuir as desigualdades entre os Estados na luta contra o novo coronavírus. Além disso, também mencionou a doação de US$ 2 bilhões feita aos países em desenvolvimento durante a pandemia, assim como a ajuda a 13 organizações internacionais e 150 países com o envio de suprimentos médicos e 280 bilhões de máscaras. Ainda, foi estabelecida cooperação entre hospitais chineses e 41 hospitais africanos (CHINA DAILY, 2021), e médicos chineses também participaram do aconselhamento às autoridades de saúde na Etiópia e em Burkina Faso (DW, 2020).

Os números acima evidenciam a grande capacidade chinesa em produzir os equipamentos de proteção essenciais durante a pandemia. Mais da metade da produção mundial de máscaras está na China, bem como aproximadamente um quinto da produção de respiradores (BBC, 2020). Além de contribuir para o controle da doença e da pandemia na
África, a atuação da China nesse sentido também favorece sua agenda diplomática (THE CHINA AFRICA PROJECT, 2020).

Nesse diapasão, certamente existe o objetivo de incrementar a imagem internacional da China, haja vista a existência de narrativas negativas e tendenciosas sobre o país, que se intensificaram com a pandemia. Entre alguns episódios, pode-se mencionar os discursos sinofóbicos de Donald Trump (FERNANDES; OLIVEIRA, 2020). Foi sob esse pano de
fundo que surgiu a chamada “diplomacia da máscara”, que desperta atenção para a relação entre a agenda de interesses e a atuação da China durante a pandemia.

3.2 A vacinação na África e a atuação da diplomacia da vacina chinesa

Fonte: Photo taken on Dec. 10, 2014 shows that medical members receive training from a medical team of China’s People’s Liberation Army (PLA), to fight against Eboladisease at a hospital in Freetown, capital of Sierra Leone. (Xinhua/Dai Xin). Disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2019-02/22/c_137843057.htm

O fato de a África estar à margem da vacinação global contra a COVID-19 reacende a memória das lutas vivenciadas outrora. Enquanto os países africanos lidam com apenas 2% das vacinas administradas no mundo, o Canadá possui, de acordo com a Airfinity, doses suficientes para vacinar cada indivíduo canadense cinco vezes.

Algo similar ocorreu com o tratamento antirretroviral (ARV) para HIV/Aids. Embora o continente africano tivesse um maior número de pessoas infectadas com o vírus, teve que esperar em torno de seis anos para que o tratamento fosse liberado pela dominação estadunidense. Winnie Byanyima, diretora-executiva da UNAids, braço das Nações Unidas
para o combate à doença, está à frente da luta pela equidade da vacinação da COVID-19. Defendendo que vidas devem ser priorizadas em detrimento do lucro, ela argumenta que um apartheid mundial sobre a vacina está sendo desenvolvido pelos interesses de poderosas corporações farmacêuticas (THE GUARDIAN, 2021).

Além do monopólio da aplicação de vacinas, os déficits de financiamento pelas empresas ao priorizarem negócios bilaterais retardam o processo de distribuição. A regulamentação estabelecida pela Organização Mundial da Saúde é que apenas as vacinas aprovadas por ela podem ser compradas nas instalações da Covax. Os desafios logísticos também precisam de financiamento, visto que são necessárias cadeias de frio para que as doses sejam conservadas.

Frente aos empecilhos dessa conjuntura, a China vem fornecendo vacinas para 40 países da África, de acordo com o Ministério de Relações Exteriores. Inicialmente, Seychelles, Marrocos e Egito estavam recebendo a vacina da Sinopharm. Durante o período inicial do ano de 2021, nenhuma das vacinas ocidentais havia chegado à África.

A diplomacia da vacina chinesa, então, tem se mostrado de grande sucesso. Além das mais de 500 milhões de doses doadas, de acordo com a Associated Press, há também a preocupação com que haja um planejamento local. Wu Peng, diretor encarregado da relação da China com a África no Ministério de Relações Exteriores, argumenta que não basta apenas a equidade do acesso à vacinação na África, mas também o apoio à produção local se revela de suma importância. É nesse contexto que o Egito deve começar a produzir a Sinovac a partir do mês de junho.

Por fim, em meio a tantas truculências, Morena Makhoana, CEO do Instituto Biovac, na África do Sul, argumenta que deve se tentar reivindicar o melhor proveito em meio ao caos epidêmico. A África possui países que contêm expertise e infraestrutura em cadeias de ultrafrio, consequência de lidar com epidemias anteriores, como a do vírus ebola. Antes
mesmo da pandemia da COVID-19, portanto, já havia capacidade instalada que permite o continente contar com cerca de 70 mil geladeiras, sendo metade movida a energia solar. De acordo com Makhoana, tais investimentos poderiam permitir que a Biovac fabricasse as vacinas por conta própria, visto que hoje apenas envasa e etiqueta.

Considerações Finais
O continente africano tem estado às margens da ordem hegemônica ocidental. Diante disso, a China tem se preocupado em concretizar uma aliança que não só repare tal desvio, mas dê suporte para que se reconheça e desenvolva a própria história e economia local na África. Tendo em vista os impactos da pandemia, a China tomou a dianteira em subsidiar recursos e doar vacinas para diversos países do continente, dando apoio ainda para que o Egito em breve possa produzir a vacina em seu próprio território.

É certo que os países africanos têm potencial para caminhar com os próprios pés, mas, diante de um contexto global de extrema desigualdade, é fundamental a existência de uma rede de cooperação. Nesse sentido, a contribuição da China no âmbito da atual pandemia, por meio da doação de vacinas e suprimentos médicos, bem como a construção da sede do CDC, dentre outros projetos expostos ao longo do texto, revela-se de grande importância. Entretanto, também faz-se necessário considerar as motivações políticas e econômicas do gigante asiático, como o propósito em desenvolver sua imagem internacional. Atentando-se para esses aspectos, é possível analisar de forma mais apurada as faces das relações sino-africanas e suas implicações para ambos os lados.

REFERÊNCIAS

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Ana Luiza Gomes Marinho – Estudante do 4° período de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (analu13gmsz@gmail.com)

Bianca Mateus Rosa – Estudante do 9° período de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (bianca.rosa@unesp.br)

Lívia Maria dos Santos Araújo – Estudante do 6° período de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (liviamaraujo01@gmail.com)

Rebeka Vilaça de Lima Alves – Estudante do 3° período de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (rebekalima2311@gmail.com)

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