Curadoria de Matrizes Energéticas e Meio Ambiente
Fernanda Ferreira Chan
Uma das iniciativas financeiras mais promissoras da economia global atualmente, talvez seja aquela traduzida no ambicioso projeto da One Belt One Road, conhecida também como Belt and Road Initiative (BRI). Trata-se de uma reestruturação geoeconômica transcontinental que causará significativos impactos no comércio e nos investimentos internacionais, revivendo no século XXI os caminhos comerciais milenares da antiga Rota da Seda, que conectavam o Ocidente e o Oriente.
O desenvolvimento da China tem sido um dos mais notáveis processos geoeconômicos e geopolíticos da história, pela velocidade e dimensão (territorial e demográfica) que demonstram essa iniciativa ainda mais forte. O país está em uma ascensão acelerada em seu desenvolvimento e poder globais, dado que possui acordos de cooperação e desenvolvimento econômico com países e organizações internacionais e investe com altos valores em uma extensa rede de infraestrutura, comércio e cooperação econômica (BRUNO; RIBEIRO, 2017).
Em 2019, a China já tinha assinado 173 acordos de cooperação, com cerca de 100 países e 29 organizações internacionais (EXAME, 2019). Os principais projetos da iniciativa são de rotas terrestres e marinhas, que possuem como objetivo integrar os países Europeus, Asiáticos e Africanos, com recentes investimentos na América Latina também.
Além disso, a BRI é uma saída à retração econômica vivenciada, sobretudo pelo ocidente, causada pela crise mundial desde 2008, tendo o enfoque em facilitar e ampliar a importação de produtos primários e insumos energéticos para a China e aumentar tanto a exportação de seus produtos industrializados, quanto o seu mercado consumidor.
Para que os fluxos mencionados acima ocorram, altos investimentos chineses estão sendo feitos em áreas que impactam muito negativamente o meio ambiente, já que o setor de infraestruturas demanda altas concentrações de aço e concreto (HUGHES, 2019), o que em um primeiro olhar parece copiar o que as corporações ocidentais há anos fazem mundo afora.
Mas a verdade é que a China está se esforçando para ser uma investidora global responsável ambientalmente (Belt and Road Portal, 2017a), especialmente através de políticas de governança ambiental para a BRI (BIERMANN, 2009) já que a BRI é gerida por vários arranjos de governança independentes, mas em interação, e que geralmente não são consideradas nos estudos de governança ambiental, pois não são mecanismos internacionais formalmente existentes (DAUVERGNE; CLAPP, 2016)
A nossa intenção é apresentar, logo abaixo, algumas destas políticas oriundas da governança chinesa, que regem aspectos ambientais da BRI, com os países que já assinaram os acordos da BRI, bem como, com os futuros parceiros.
Um ano após o nascimento da “nova rota da seda, a BRI, em 2013, foi elaborado o Guidelines for Environmental Protection in Foreign Investment and Cooperation, ainda que não seja sobre a ótica da BRI, foi o primeiro documento a inaugurar a responsabilidade ambiental para as empresas chinesas. Ainda que indiretamente, foi o Guidance on Establishing the Green Financial System, publicado em 31 de Agosto de 2016, que inaugurou o sistema financeiro verde da China, ou seja, o parâmetro inicial para pensar no desenvolvimento verde no país e fora dele.
O primeiro grande passo para ação para além das fronteiras chinesas, ocorreu através do lançamento do Guidelines on Further Guiding and Regulating Overseas, publicado em 04 de Agosto de 2017, nele encontram-se regulamentos para investimento no exterior com base na cooperação aberta e verde, tendo em destaque a norma IV, ponto nº 5, onde há a defesa da limitação de investimento chinês no exterior quando não se atende questões de proteção ambiental, consumo de energia e padrões de segurança do país destinatário.
O segundo grande passo e provavelmente o mais conhecido, foi o Guidance on Promoting Green Belt and Road, publicado em 05 de Agosto de 2017 pelo Ministério de Ecologia e Meio Ambiente da China, afinal, é neste documento que nasce o “Green Belt and Road”, um esforço essencial para participar da governança ambiental global e promover o conceito de desenvolvimento verde, enquanto ocorre o desenvolvimento das estruturas e investimentos nos países da BRI, lembrando que o desenvolvimento verde é um modelo de desenvolvimento baseado no conceito de desenvolvimento sustentável e que prioriza o baixo carbono para transformar a civilização industrial em civilização ecológica.
No documento instrucional mencionado acima, podemos ainda ver que nas cinco áreas prioritárias de ação da Green Belt and Road, se aborda pela primeira vez e com mais profundidade a promoção da comunicação e cooperação para realizar avaliações de impactos e riscos ambientais nos países ao longo da BRI, bem como, a formulação de medidas políticas de responsabilidade e proteção ambiental para as indústrias chinesas.
A partir deste momento, mais documentos instrucionais para o desenvolvimento verde no além-mar começam a ser lançados por vários órgãos da China, são no total 15 para o Green Belt and Road e 1 para a Arctic Silk Road.
Entre documentos, o governo chinês também realizou dois fóruns de cooperação internacional na BRI, destaque para o segundo encontro, realizado entre os dia 25 e 27 de abril de 2019 que criou a Belt and Road Initiative International Green Development Coalition (BRIGC or The Coalition), uma coalizão pensada para reunir experiências ambientais dos países ao longo do BRI, a fim de trazer desenvolvimento verde e sustentável de longo prazo para todos os países interessados no cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, segundo a PNUMA, atualmente são 134 parceiros na coalizão, incluindo 26 ministérios do Meio Ambiente de Estados Membros da ONU.
E frente a pandemia, destaque também para o Green Development Guidance for BRI Projects Baseline Study Report, um relatório de estudo de base publicado dia 1º de Dezembro de 2020 pelo BRIGC, em que são apresentadas normas claras e operacionais para ajudar todas os países interessados em acelerar os investimentos verdes, de baixo carbono e sustentáveis em projetos BRI, dentro de um contexto de recuperação e resiliência pós-covid-19.
Para além destas responsabilidades elaboradas por ministérios e comissões, ou seja, membros do Conselho de Estado Chinês – constitucionalmente denominado Governo Popular Central – mais próximo da sociedade encontramos a Suprema Corte Popular da China, tornando a relação dos chineses com os territórios estrangeiros, mais verde e sustentável possível. Em Dezembro de 2019, a Suprema Corte Popular da China declarou que o sistema judiciário do país consideraria julgar casos envolvendo empresas chinesas, sobre litígios ambientais em territórios estrangeiros e em Maio de 2020, reforçou a busca por resolução de litígios, sob o conceito de “prática da justiça ambiental em países ao longo do BRI”. (China’s Court, 2020)
Vemos assim que para além do Conselho de Estado, o judiciário chinês também já percebeu a importância das questões ambientais associadas aos investimentos chineses em outros países, como BRI, isto mostra que o governo chinês têm tomado consciência sobre os impactos ambientais no exterior.
Sendo assim, é importante pensarmos nestes arranjos da governança chinesa, não nos restringindo a análise dos mecanismos já conhecidos no sistema internacional. É preciso pensar que os esforços mencionados apontam que por meio da BRI, a China pode assumir de fato uma responsabilidade ambiental, enquanto investe globalmente.
REFERÊNCIAS
A importância da The Belt and Road Initiative para a América Latina. Exame, 2019. Disponível em:
https://exame.abril.com.br/mundo/a-importancia-da-the-belt-and-road-initiative-para-a-america-latina/ . Acesso em: 11/05/2021.
Belt and Road Portal. Guidance on Promoting Green Belt and Road, 2017. Disponível em: https://eng.yidaiyilu.gov.cn/zchj/qwfb/12479.htm. Acesso em: 15/05/2021.
BIERMANN, Frank et al. The fragmentation of global governance architectures: A framework for analysis. Global environmental politics, v. 9, n. 4, p. 14-40, 2009. https://doi.org/10.1162/glep.2009.9.4.14 . Acesso em: 11/05/2021.
BRI International Green Development Coalition. Green Development Guidance for BRI Projects Baseline Study Report, 2020. Disponível em:https://green-bri.org/wp-content/uploads/2021/04/Green-Development-Guidance-for-BRI-Projects-Baseline-Study-Report.pdf . Acesso em: 15/05/2021.
BRUNO, Flávio Marcelo Rodrigues; RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. One Belt, One Road: novas interfaces entre o comércio e os investimentos internacionais. Revista de Direito Internacional, [s.l.], v. 14, n. 2, p. 193-213, 31 out. 2017. Centro de Ensino Unificado de Brasília. http://dx.doi.org/10.5102/rdi.v14i2.4676. Acesso em: 11/05/2021
DAUVERGNE, Peter; CLAPP, Jennifer. Researching global environmental politics in the 21st century. Global Environmental Politics, v. 16, n. 1, p. 1-12, 2016. https://doi.org/10.1162/GLEP_e_00333 . Acesso em: 11/05/2021.
HUGHES, Alice C. Understanding and minimizing environmental impacts of the Belt and Road Initiative. Conservation Biology, v. 33, n. 4, p. 883-894, 2019.
Ministry of Commerce, National Development and Reform Commission, Ministry of Foreign Affairs, People’s Bank of China. (2017b). Guidelines on Further Guiding and Regulating Overseas Investments. Disponível em: https://www.followingthemoney.org/wp-content/uploads/2019/02/2017_State-Council_Guidelines-on-Further-Guiding-and-Regulating-Overseas-Investment_E.pdf . Acesso em: 15/05/2021.
The People’s Republic of China. Ministry of Commerce and Ministry of Environmental Protection of the People’s Republic of China. Guidelines for Environmental Protection in Foreign Investment and Cooperation, 2013 Disponível em: http://english.mofcom.gov.cn/article/policyrelease/bbb/201303/20130300043226.shtml . Acesso em: 15/05/2021.
The People’s Republic of China.The State Council Information Office. Guiding Opinions on Building a Green Financial System, 2016. Disponível em: http://www.scio.gov.cn/32344/32345/35889/36819/xgzc36825/Document/1555348/1555348.2017 . Acesso em: 15/05/2021.
The People’s Republic of China. The Supreme People’s Court. China’s Environmental Resources Trial, 2020. Disponível em: http://www.court.gov.cn/zixun-xiangqing-228341.html . Acesso em: 15/05/2021.
The People’s Republic of China. The Supreme People’s Court. Regarding the people’s courts further providing judicial services and guarantees for the construction of the “Belt and Road”, 2019. Disponível em: https://ft4lm3rfjb6pmkb5ktldwxcvjm-ac4c6men2g7xr2a-www-court-gov-cn.translate.goog/zixun-xiangqing-212931.html . Acesso em: 15/05/2021.
UNEP. The Belt and Road Initiative International Green Development Coalition (BRIGC). Disponível em: https://www.unep.org/regions/asia-and-pacific/regional-initiatives/belt-and-road-initiative-international-green . Acesso em: 15/05/2021.
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