Eloáh Ferreira Miguel Gomes da Costa – migueleloah@gmail.com
Maria Gabriela Pedrosa – mariagpedrosa@gmail.com
Rayane Sátiro de Almeida – satirorayane9@gmail.com
Suéllen Gentil – suéllen.gentil@gmail.com
Thaís Caitano Serpa – serpathais172@gmail.com
Quando falamos sobre a cultura pop japonesa, um dos principais produtos culturais no qual pensamos é o anime, animações seriadas frequentemente baseadas em histórias em quadrinhos conhecidas como mangás. Essas obras constituíram uma conexão entre o Japão e o mundo, sendo um fator introdutório a outros itens da cultura nipônica, como a literatura, música, moda, videogames e etc., caracterizando o pioneirismo do país, fora do âmbito ocidental, ao se inserir em um sistema de consumo cultural globalizado, cujo centro exportador dominante é, historicamente, as produções televisivas estadunidenses.
Tendo isso em mente, percebemos a importância de compreender como se deu esse processo no Brasil, onde se encontra a maior comunidade japonesa fora do Japão, e quais são as consequências dessa interação cultural entre os países. Para isso, precisamos inicialmente compreender o anime em sua origem.
A primeira animação japonesa, da qual se tem ciência, tem duração de três segundos e foi criada na primeira década do século XX[1], quando as técnicas de produção cinematográfica começaram a surgir e obras estadunidenses passaram a ser exibidas no país. Mas foi apenas a partir da década de 1930 que se deu o início do desenvolvimento da animação no Japão, em razão do incentivo financeiro do governo, que conduziu o setor a aclamar o exército japonês, a título de propaganda de guerra com cunho nacionalista. Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, as produções animadas foram interrompidas pela crise que se instalou no país, mas retomadas devido à busca por entretenimento barato, fomentada pelo abalo da população decorrente da guerra, o que resultou na produção de Noburo Ofuji, em 1952.
Com a política de recuperação da economia japonesa, sob a direção dos Estados Unidos da América (EUA) frente à dominação soviética na Ásia, a televisão se inseriu no país. Foi quando Osamu Tezuka, autor do primeiro mangá best-seller do pós-guerra no Japão, deu início ao mercado do anime com Astro Boy, a partir de técnicas que diminuíram os custos da produção. Este foi o primeiro anime a ser exibido na televisão japonesa e o sucesso foi tão expressivo que este setor de entretenimento passou a ser foco de investimentos, difundindo-se, de início, entre os países vizinhos e, posteriormente, no Ocidente. Apesar da inserção na indústria globalizada, os aspectos culturais se mantiveram nas produções nipônicas, disseminando a cultura do país, o que fomentou outras formas de consumo e contato cultural.
A chegada e expansão dos animes no Brasil
O processo de introdução de animes no Brasil teve início com a intensa imigração japonesa ocorrida no país durante a primeira metade do século XX, consequência das transições estruturais ocorridas no Japão durante o Período Meiji[1]. Conforme a população japonesa se adaptava à cultura brasileira, veio o receio de que o contato abrangente com as comunidades locais diluiria a herança cultural japonesa a ser passada para as futuras gerações. Nesse contexto, o mangá é introduzido no Brasil como ferramenta da manutenção da cultura japonesa, além da alfabetização das futuras gerações na língua japonesa.
Dessa descendência nipo-brasileira surgiram diversos quadrinistas que foram responsáveis por parte dos quadrinhos nacionais, principalmente em 1960, quando as produções nipônicas começaram a ser transmitidas no Brasil. Algumas séries de live-actions, como National Kid, foram transmitidas e ganharam muita popularidade, assim como os animes, entre eles Homem de Aço (1963) e Zoran, o garoto do espaço (1965). Em 1970, o número de produções japonesas exibidas no Brasil passou para 24, sendo 17 animes, como os clássicos A Princesa e o Cavalheiro (1967) e Ultraman (1966).
A década de 1990 é considerada um marco no mercado dos animes no Brasil e grande símbolo do período que revolucionou o setor foi, sem dúvidas, Cavaleiros do Zodíaco (1986), exibido pela TV Manchete em 1994, que rendeu recordes de audiência à emissora. Outras referências clássicas da época são Sailor Moon (1992), Dragon Ball (1986), e Pokémon (1997), assim como a chegada dos filmes do estúdio Ghibli, como Meu Amigo Totoro (1988). A popularização e desenvolvimento da internet foram essenciais para a solidificação dos animes no Brasil, desenvolvendo uma cultura otaku que permanece atuante até os dias atuais. Essa popularização despertou interesses que vão além do produto cultural, motivando as pessoas a se aproximarem da cultura japonesa, resultando inclusive em um aumento de viagens turísticas ao país nipônico, o que gerou um estreitamento entre Brasil e Japão
Impactos do produto cultural na sociedade e a aproximação entre Brasil e Japão
Primeiramente, pincelaremos o conceito de globalização e, para isso, devemos rememorar dois acontecimentos chaves para os processos econômicos e culturais mundiais. David Oswell em Culture and Society (2006) alude à primeira imagem do planeta Terra a qual tivemos acesso, durante a corrida espacial, que confluía em uma interrogação pulsante: essa imagem consegue transmutar a forma como o homem age em sociedade? Isso porque a imagem da Terra enfatiza a perspectiva de que não estamos distantes uns dos outros. Já em 1989, acontece a derrubada do muro de Berlim, que se torna a imagem perfeita da ruptura, simbolizando o fim do sistema socialista e legitimando o capitalismo. Advindo disso, a globalização se apresenta como o símbolo deslumbrante da homogeneidade, destruição de fronteiras e, principalmente, da comunicação — em parte, ilusórias. Contudo, em tais fenômenos, sempre há uma ambivalência: Como ser heterogêneo em um mundo homogêneo?
Uma das saídas que muitos países adotaram passa pelos trilhos da cultura, como pontua Joseph Nye, na criação do conceito Soft Power, tornando a cultura o vetor do crescimento econômico. O Japão impulsionou, por meio do Soft Power, a entrada de produtos culturais da indústria criativa, em especial os animes, em outros países com o objetivo de fomentar boas relações diplomáticas, atrair investimentos, talentos criativos, turistas, estudantes e pesquisadores.
Alguns exemplos do Soft Power japonês em terras brasileiras é o Seiche Junrei, um turismo ligado à ambientação de animes famosos tanto entre japoneses quanto estrangeiros. Existe até uma Associação de Turismo de Anime. No ano de 2018, a pesquisadora Lorrany Cailleaux fez uma enquete respondida por 270 pessoas no Brasil e, na pergunta sobre viajar para locais baseados em animes, 78,3% responderam que, sim, gostariam de conhecer esses lugares. No mesmo período em que os animes se popularizaram no Brasil, despontaram as primeiras práticas de cosplay; atualmente já existem pessoas que fizeram do hobby uma profissão. Esses fãs normalmente participam de feiras culturais, como a Feira Japonesa do Recife.
Centros de estudos de língua japonesa se estendem por todo o Brasil, em razão da demanda de consumidores desses produtos culturais. Neste ano, o Núcleo de Língua e Cultura (NLC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) abriu sua primeira turma de japonês; ademais, ainda temos a Escola de japonês da Associação Cultural Japonesa do Recife. Podemos citar, ainda, a própria curadoria de Assuntos do Japão, dentro do IEASIA/UFPE, que recebe cada vez mais quem se interessa em pesquisar sobre a cultura nipônica. Foram poucos os recortes, mas já se nota o quanto o Soft Power japonês conseguiu se destacar de alguns dos ideais da globalização, promovendo o local, em detrimento do global, e sua cultura — com todas as suas complexidades e especificidades — mundo afora, cristalizando-se mesmo aqui em Recife/PE.
Dois pólos opostos no globo, Brasil e Japão, estreitaram sua relação por meio dos animes, criando uma comunidade otaku brasileira que só cresce, com influência da internet e da entrada de animes diversos nos catálogos de serviços de streaming, como a Netflix e a Amazon Prime. E, sem dúvida, é possível esperar para o futuro a continuidade desta relação que se mostra cada vez mais frutífera para o enriquecimento cultural de ambos.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Afonso de; CORTEZ, Krystal. Ficção seriada, cultura nacional e des-ocidentalização: o caso dos animês. Contemporânea Revista de Comunicação e Cultura da UFBA, v. 11, n. 01, p. 56-71, 2013.
BRAZO, D. de A.; FONSECA FILHO, A. da S. Turismo Otaku: imaginário e motivações de uma nova tipologia. Revista Turismo em Análise, [S. l.], v. 29, n. 2, p. 273-291, 2019. DOI: 10.11606/issn.1984-4867.v29i2p273-291. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rta/article/view/138464. Acesso em: 1 maio. 2021.
CARLOS, G. S. Identidade(s) no consumo da cultura pop japonesa. Lumina. v. 4, n. 2, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/20931. DOI: 10.34019/1981-4070.2010.v4.20931. Acesso em: 18 abr. 2021.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). Tradução de Vera da Costa e Silva. 27 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.
ELIAS, Herlander. A Galáxia de Anime: A Animação Japonesa como New Media. Covilhã, Portugal: Universidade da Beira Interior, LabCom, 2012.
[1] O ano exato varia de acordo com a fonte.
[1] Período Meiji (1868-1912).
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