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ARTIGO DE OPINIÃO | Uma Análise do Papel do Poder Judiciário na Concretização dos Direitos Humanos no Japão: Progressos e Desafios

Redação e opinião crítica por: Denilson Menezes Carvalho

Revisão especializada por: Paula Michima, Angélica Alencar, Maurício Luiz
Borges Ramos Dias

Segundo Atsushi Umino (1999, p. 49), o Japão incorporou a legislação internacional de direitos humanos de várias maneiras nos últimos anos, buscando desempenhar um papel nos assuntos internacionais proporcional ao seu poder econômico. Assim, o país assumiu uma série de compromissos, assinando diversos tratados internacionais sobre direitos humanos. Ao ratificar o Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (PIDESC) e a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (CIDCP) em 1978, o Japão sinalizou uma nova abertura ao direito internacional e, rapidamente, internalizou uma série de normas globais. No início dos anos 1980, o Poder Legislativo (Dieta) engajou-se ativamente neste processo, revisando as normas existentes e aprovando novas para implementar obrigações legais internacionais (ALSTON, 2011).

Dessa forma, a Dieta desempenhou uma importante função de adequação do ordenamento jurídico ao disposto nos tratados internacionais nos anos 1980. Todavia, depois de ratificar uma série de convenções de direitos humanos, a Dieta se retirou da proeminência dos debates da atualização do sistema jurídico, revisando apenas esporadicamente algumas leis para manter os direitos humanos assumidos perante a comunidade internacional, mas não introduziu nenhuma nova legislação para implementar tratados ratificados nos anos 1990 ou 2000 (TSUTSUI; SHIN, 2008, p. 395). 

Como resultado, percebe-se que a Dieta debate, mas não legisla, se retirando assim de seu papel de intérprete, árbitro e codificador do direito internacional, incapaz ou relutante em aprovar novas leis para cumprir as obrigações legais internacionais do Japão. Desta forma, ficou a cargo do Poder Judiciário cumprir as obrigações internacionais (IWASAWA; 1998, 315). Nos anos 1990, os juízes não se conformaram, uniformemente, com a ideia de que os tratados internacionais não tinham efeito direto no Japão. Assim, começaram a aplicar tratados internacionais diretamente em áreas como procedimentos criminais e em litígios que envolvessem direitos de minorias (IWASAWA; 1998, 316).

As decisões dos juízes de aplicar os dispositivos das convenções internacionais, segundo os ensinamentos de Yuji Iwasawa (1998, p. 328), encontram fundamentação no fato de que a Constituição japonesa afirma que os tratados devem ser fielmente cumpridos. Dessa maneira, quando o Japão assina um acordo internacional, mesmo que pendente a sua ratificação, o direito internacional possui força jurídica interna no Japão. 

O primeiro tribunal japonês a aplicar o Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CIETFDR) diretamente ao um caso concreto, apesar da lacuna legislativa sobre a sua eficácia, foi o Tribunal Distrital de Shizuoka. Os funcionários de uma joalheria japonesa expulsaram uma cliente estrangeira, a jornalista brasileira Ana Bortz, ao descobrirem a sua nacionalidade (inicialmente pensaram que ela era francesa). Uma funcionária lhe pediu para sair da loja, apontando para uma placa na parede que dizia, “os estrangeiros estão estritamente proibidos” (JAPÃO, 1999). 

Quando a Sra. Ana Bortz se recusou a sair, a funcionária chamou a polícia. Após uma hora e quarenta minutos de acusações de violação dos direitos humanos, pedidos de desculpas e mal-entendidos em geral, a Sra. Bortz deixou a loja. Ela então entrou com uma ação judicial, o que, por sua vez, provocou uma forte reprimenda à criminalização racial por parte do Tribunal Distrital de Shizuoka (YAMANAKA, 2003). 

A corte se debateu com o efeito do direito internacional sobre o direito interno em algum momento. O juiz Sō Tetsurō explicou que o Japão é um país monista, adotando a visão convencional de que CIETFDR está abaixo da Constituição, mas ainda tem efeito neste país como lei doméstica. À vista disso, o juiz Sō Tetsurō criticou amplamente a visão do poder executivo de que seria necessária uma nova legislação para efetivar o tratado (JAPÃO, 1999). 

Em outras palavras, se um ato de discriminação racial violasse um princípio do CIETFDR e o órgão estadual ou local não tomasse as medidas que deveria ter, então se poderia, de acordo com o Artigo 6 do CIETFDR, no mínimo, buscar uma compensação, ou tomar outras medidas contra o órgão estadual ou local pela omissão.

Nestes termos, o tribunal aplicou diretamente o artigo 6 do CIETFDR, que prevê a proteção efetiva e os remédios cabíveis para coibir os atos de discriminação racial. Por conseguinte, a corte aplicou a CIETFDR, julgando favorável o pedido da Sra. Bortz, lhe concedendo: uma indenização de 1,5 milhões de ienes, destinada a cobrir honorários advocatícios e indenização por seu sofrimento emocional; e um pedido de desculpas da ré, por ferir a dignidade e honra da reclamante (JAPÃO, 1999). 

Esta decisão proporcionou um precedente importante, embora não vinculativo, para futuros litigantes que sofreram discriminação racial. De modo que, decisões posteriores também citaram o CIETFDR como um padrão interpretativo básico para as normas internas, ajudando assim a canalizar normas legais internacionais para o tecido social das relações privadas japonesas. 

Desde que o Japão ratificou o Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais e o Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos há mais de cinquenta anos, a lei de direitos humanos internacional tem desempenhado um papel cada vez mais proeminente na sociedade japonesa. Os juízes demonstram maior fidelidade às obrigações internacionais de direitos humanos do que gerações passadas. 

Ao aplicar as normas internacionais às relações interpessoais, os juízes domesticam as obrigações dos tratados internacionais. Ou seja, os tribunais decidem quais formas de discriminação privada são ilegais ou não, como por exemplo negar de forma categórica, a entrada de estrangeiros em uma loja, bar ou estabelecimento público é claramente ilegal (KAORU, 2006). 

Como visto em casos como Bortz v. Suzuki, apresentado anteriormente, entre outros, os tribunais japoneses têm se recusado consistentemente a exigir que o governo japonês atualize o sistema jurídico para que seja compatível com os pactos internacionais, e também se recusaram a considerar tais omissões ilegais, pois se enquadram no poder discricionário da Dieta de decidir sobre o que quer legislar e o que representa os interesses dos cidadãos japoneses. 

De outro modo, os tribunais não poderiam ficar inertes quanto a omissão da Dieta e, devido ao fato de que não há mecanismos legais para forçá-la e promulgar leis, os tribunais acabaram aplicando diretamente os tratados internacionais em casos concretos (JAPÃO, 1999). 

Nas situações acima, os juízes leram ostensivamente a CIETFDR e o PIDSECIC como normas interpretativas, mas, na verdade, eles aplicaram diretamente as normas previstas nos tratados. Assim sendo, em uma perspectiva histórica, os juízes japoneses têm evoluído como disseminadores do direito internacional e verdadeiros guardiões dos direitos humanos, tendo adquirido familiaridade tanto com ambos e, frequentemente, aplicarem as suas disposições. De fato, a experiência do CIETFDR e do PIDESC sugere uma gestão mais ativa com o direito internacional, e sugere que novas direções surgirão na esfera privada, e não em desafios aos governos municipais (KAORU, 2006).


REFERÊNCIAS

ALSTON, Philip. Transplanting Foreign Norms: human rights and other international legal norms in japan. European Journal Of International Law, [S.I.], v. 10, n. 2, p. 625-632, 2011

IWASAWA, Yuji. International Law, Human Rights, and Japanese Law: the impact of international law on japanese law. [S.I.]: Oxford Academic, 1998. JAPÃO. Corte Distrital de Shizuoka. Bortz V. Suzuki nº 1045 HANREI TAIMUZU 216 e 217. Diário Oficial de Shizuoka. Shizuoka.

KAORU, Obata. Kokusai Jinken Kiyaku: nihonkoku kenpŭ taikei no shita de no jinken jŭyaku to tekiyŭ. Jurisuto, [S.I.], v. 11, n. 10, p. 1321-1340, 2006.

TSUTSUI, Kiyoteru; SHIN, Hwa Ji. Global norms, local activism, and social movement outcomes: Global human rights and resident Koreans in Japan. Social Problems, [S.I.], v. 55, n. 3, p. 391-418, 2008.

UMINO, Atsushi. Regional insecurity, bilateral dialogue, and historical controversy in post. East Asia, [S.I.], v. 23, n. 4, p. 49-80, 1999.

YAMANAKA, Keiko. A breakthrough for ethnic minority rights in Japan: Ana Bortz’s courageous challenge. In: Crossing Borders and Shifting Boundaries: Vol. I: Gender on the Move. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, 2003, p. 231-259.

2 Comments

  1. Mariana Denise Rosa

    Excelente artigo !!!! Parabéns aos componentes que pode explorar sobre a cultura do Japão e termos jurídicos do país !

  2. Vanessa Sebben Bretas de Sousa

    Maravilhoso artigo! Entender como funciona o Japão ao observar as garantias e direitos humanos individuais é essencial para refletirmos sobre o nosso próprio sistema jurídico. Parabéns aos idealizadores desta revista! Gostei de saber que uma brasileira fez história no judiciário japonês.

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