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ARTIGO DE OPINIÃO | Pernambuco e o Japão: Gilberto Freyre e a “inassimilabilidade” japonesa na Assembleia Constituinte de 1946

Imagem que diz: "Pernambucanos de todas as cores votarão em Gilberto Freyre para Deputado Federal"

Por: Rafael Cavalcanti Lemos. Juiz de direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Pesquisador associado à Curadoria de Assuntos do Japão da Coordenadoria de Estudos da Ásia do Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco.

Fonte: https://cargocollective.com/jonathasdeandrade/museu-do-homem-do-nordeste

Numa época de pseudo-superioridades e -purezas raciais a justificar desigualdades de toda ordem, um jovem cientista social pernambucano, após o contato com as ideias de um professor alemão numa universidade nova-iorquina, reinterpretou positivamente numa obra clássica a mestiçagem brasileira, criando um mito nacional para o qual ainda hoje não há substituto à altura. Tal mito, por sua própria natureza (de valorização da mestiçagem), não poderia ser excludente: eleito deputado federal, o autor de Casa-Grande e Senzala teve a oportunidade de bem-sucedidamente defender, na Constituinte de 1946, a aptidão do meio brasileiro à recepção de culturas de todo o mundo.

A japonesa inclusive, reputada “inassimilável”, dentre outros, pelo deputado federal Miguel Couto Filho, cujo pai concebera as cotas de imigração na Constituição de 1934. No projeto da de 1946, o parágrafo 16 do artigo 164 dispunha: “A imigração poderá ser limitada ou proibida em razão da procedência. A entrada de imigrantes estará condicionada à sua capacidade física e civil, assim como à garantia da sua assimilação.”. A emenda 3.165, assinada pelo referido Miguel Couto Filho e pelo deputado federal José Augusto (reproduzindo a 2.043, do deputado federal Fernandes Távora), era mais precisa quanto ao destinatário: “É proibida a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência.”. A substitutiva 3.340, por sua vez, cujos autores foram oito constituintes paulistas, dizia “[i]ncumb[ir] à União a política de restrição por motivos eugênicos”, sendo “livre a imigração de origem americana ou europeia”.

Escreve Bruno Naomassa Hayashi (2022, p. 5-6), doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo: “Dentro do tema da assimilação, a principal oposição à noção de ‘inassimilabilidade’ partirá do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (UDN-PE). Ele encabeça a emenda 1.340, que sugere a supressão do trecho do artigo 164, § 16, que trata da garantia da assimilação como requisito de entrada no país […] A visão de Freyre não dá espaços, assim, para essencializações nem para determinações do destino do imigrante no Brasil […] Após sugerir a supressão de parágrafos do projeto que restringiam a atuação profissional de imigrantes e após criticar o preconceito racial e de cor contra os negros […], passa à crítica do preconceito contra os estrangeiros ou ‘neobrasileiros’, como ele prefere. […] Freyre, na sequência do discurso, delineia com apoio entusiasmado de Aureliano Leite uma concepção mais aberta da nacionalidade brasileira, que ganhará grande influência na década de 1950. Trata-se de uma forma muito particular de ‘assimilação’, em que se fomenta a formação de uma cultura nacional ‘plural ou pluralista'”.

Um novo projeto de Constituição é apresentado. O parágrafo 16 do artigo 164, em mais liberal redação, torna-se o artigo 161: “A seleção, entrada, distribuição e fixação de imigrantes ficarão sujeitas, na forma da lei, às exigências e condições determinadas pelo interesse nacional.”. Prossegue Hayashi (2022, p. 7): “Esse artigo do novo projeto seria logo desafiado, porém, por requerimento de destaque para aprovação da emenda 3.165, […] contando com 199 assinaturas, seguindo, então, para uma acirrada votação no dia 27 de agosto de 1946. […] A proibição constitucional da ‘entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência’ cai, assim, por apenas um voto.”. A proibição à imigração japonesa foi rejeitada por 100 contra 99 votos, proferido o de desempate pelo presidente da Assembleia, o (como Gilberto Freyre) exilado da Revolução de 1930 Fernando de Melo Viana.

REFERÊNCIAS

ASSEMBLEIA CONSTITUINTE. Anais da Assembleia Constituinte [de 1946] organizados pela redação de anais e documentos parlamentares. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1946-1951, 26 v.


HAYASHI, Bruno Naomassa. Metamorfoses do amarelo: a imigração japonesa do “perigo amarelo” à “democracia racial”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 37, n. 108, p. 1-18, 2022.

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