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ARTIGO DE OPINIÃO | Série: Desbravando “os Orientes” – uma jornada de olhares patrimoniais histórico-cultural à luz da mistura do oriente com o ocidente

Curadoria de Assuntos do Japão

Professora Dra. Paula Michima – UFPE
Professora Me. Gisele Yamauchi – USJT

O mundo se encontra diante de uma polarização e disputa hegemônica entre os Estados Unidos e seus aliados (representando o ocidente) e a China e seus aliados (representando o oriente). O crescimento do oriente alavancado pelo grande apetite chinês, historicamente, não é novidade. A última transição e deslocamento do eixo do centro dinâmico entre o oriente e o ocidente ocorreu em 1860, quando terminou a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860) envolvendo China, a Grã-Bretanha e a França. Como resultado econômico das Guerras do Ópio, segundo Pires e Mattos (2016), a China que possuía em torno de 30% do PIB mundial, viu a sua participação se reduzir para apenas 5%. A ordem mundial, dinâmica, tem acelerado suas movimentações para uma nova configuração nos últimos dois anos, com os conflitos intensos iniciados entre a Rússia e a Ucrânia, e que se estendem em
impactos principalmente no oeste europeu.


A decadência da China após o fim das Guerras do Ópio em 1860, aos olhares dos japoneses, serviu como orientação para a aplicação de reformas e mudanças. Alguns anos mais tarde, mais precisamente entre os anos de 1868 e 1912, o Japão renasceu com as reformas da Era Meiji, que buscou adaptar o país aos requisitos do mundo na época para competitividade no mercado internacional, incorporando-o na disputa comercial por meio de intensa industrialização, modernizações políticas, econômicas e sociais. A unificação do país, a reforma agrária, as reformas econômicas (como, por exemplo, a criação da moeda iene e do Banco do Japão em 1872 – que eliminaram os entraves e os modos de produção feudal), e a padronização e obrigatoriedade do ensino primário, permitiram a centralização da administração pública e a intervenção do Estado no ensino e na economia. Ademais, a criação das universidades em 1885 e a promulgação da constituição em 1889, conduziram o país para uma monarquia constitucional. A combinação dessas mudanças levou à formação de grandes conglomerados industriais, os zaibatsus, que atuavam nos setores da produção, comércio e finanças, e que conduziram o país nipônico à rápida industrialização (MASON; CAIGER, 1997; HOBSBAWM, 2015; UNZER, 2019).


A partir de 1912 iniciou-se o período Taisho, no qual o Japão passou também a enfrentar problemas estruturais como a escassez de matéria prima, fontes de energia e limitações do mercado interno, e fez com que o país realizasse grandes investimentos militares, aumentando o seu poder bélico para que, assim, pudesse se envolver em expansões militares – levando anos mais tarde às ocupações na Manchúria, Península Coreana, Sacalina (ilha que ainda hoje é um ponto de impasse não resolvido com a Rússia) e Taiwan – levando a Segunda Guerra Mundial para o oceano Pacífico, que se findou em 1945 (HOBSBAWM, 2015; UNZER, 2019).


Diante desses problemas estruturais, econômicos e desastres naturais, como é o caso do Grande Terremoto de Kanto de 1923, que destruiu a cidade portuária de Yokohama e as províncias vizinhas de Chiba, Kanagawa, Shizuoka e Tóquio, que somados aos problemas ligados à superpopulação japonesa em relação ao tamanho de seu território, também levou ao governo japonês a assinar vários tratados de imigração. Vale mencionar que a imigração japonesa para vários países pelo mundo se iniciou em 1868, e que no Brasil o processo de imigração ocorreu a partir de 1908. De fato, o Brasil detém a maior comunidade japonesa fora do Japão em seu território, cujos frutos da imigração – seus descendentes, conhecidos como nikkei, até hoje contribuem com vários avanços técnicos, históricos e culturais.


Atualmente, em 2022, no leste oriental, há quase um ano os olhos do mundo estavam voltados para a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio entre os meses de julho e setembro de 2021, que com o cenário da pandemia da Covid-19, se transformou nos jogos mais assistidos da história pelos expectadores de todo o mundo. Ainda nesta parte do oriente, ressalta-se um velho-novo cenário de disputa crescente desenhado e protagonizado pelos EUA (representando o ocidente) e pela China (representando o oriente), que se acirrou a partir de 2016 com a assinatura do Acordo Comercial Transpacífico. Esse acordo buscou frear o crescimento chinês, e junto a ele surgem inúmeras indagações e curiosidades acerca da China, Japão e outros países do oriente. Diante desse clima de tensão e especulações, os países do continente asiático tornaram-se foco e assunto frequente nos noticiários e na academia, refletindo na criação de vários grupos de estudos das universidades sobre a Ásia – um exemplo disso, é a nossa Coordenadoria de Estudos da Ásia (CEÁSIA) da Universidade Federal de Pernambuco.


Ao considerar o ensino brasileiro, porém, cabe ressaltar que nos currículos escolares em diversos níveis de ensino, pouco se debate ou se estuda sobre os países orientais em comparação com o volume, intensidade e profundidade com que se faz sobre os ocidentais. Resta então uma vastidão de conhecimento inexplorado, e uma população que em geral vê o mundo numa espécie de bolha cuja pobreza e superficialidade de informações que, quando em raros contatos com os conhecimentos e as culturas orientais, causa-lhe tão fácil e instantânea admiração e fascínio místico. Este, além de ser perigoso por limitar horizontes de conhecimento e compreensão de mundo, revela a necessidade de profunda revisão do ensino brasileiro sob pena de perder os fatos, as pessoas, as histórias e oportunidades importantíssimas que poderiam contribuir com o desenvolvimento do Brasil, principalmente nas questões diplomáticas, econômicas, comerciais, sociais, entre outras.


Sob essa perspectiva ascendente em interesses sobre os diversos aspectos que fazem do continente asiático atrator de curiosidade e especulações, buscaremos a partir das próximas postagens desta série apresentar os patrimônios e costumes japoneses, por meio de suas histórias, aos leitores. Junto a eles comentaremos também as suas relações com o Brasil, com os demais países asiáticos e outros países que receberam imigrantes japoneses no globo terrestre.

A jornada começará com um breve histórico da imigração japonesa no Brasil, apresentando alguns dos motivos que levaram várias famílias japonesas a emigrarem do Japão, passando por histórias, memórias, heranças patrimoniais e culturais criadas pelos Nikkei1. Ao mesmo tempo, buscaremos compreender uma visão contemporânea de seus descendentes, com suas traduções, releituras, consciência sobre sua descendência e ascendência, dedicação e esforço de transmitir, com o crescente envolvimento de não-descendentes amantes dessa cultura, a herança cultural e memórias. Para cumprir esse objetivo, nas próximas edições, serão apresentados artigos de opinião sobre alguns pontos turísticos, edificações tombadas como patrimônio cultural e obras arquitetônicas da cultura oriental, como por exemplo, a Casarão de Chá de Mogi das Cruzes, o Templo Kinkaku-Ji do Brasil de Itapecirica da Serra, a Torre de Miroku de Ribeirão Pires, o Festival do Japão de São Paulo, entre outros.



NOTAS DE RODAPÉ:

1 O termo Nikkei foi cunhado em japonês para designar todos os descendentes de japoneses que nasceram fora do território japonês e, também, para os japoneses que vivem no exterior.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2015.


MASON, Richard; CAIGER, John Godwin. History of Japan: Revised Edition. North Clarendon: Tuttle Publishing, 2011.


MUSEU HISTÓRICO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL; ASSOCIAÇÃO PARA COMEMORAÇÃO DO CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL; COMISSÃO DA COMPILAÇÃO DA HISTORIOGRAFIA DOS 100 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL. Cem anos da Imigração Japonesa no Brasil através de fotografias. Tokyo: Fukyo-sya, 2008.


PIRES, Marcos Cordeiro; MATTOS, Thais Caroline Lacerda. Reflexões sobre a disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China na perspectiva do capitalismo histórico. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, v. 5, n. 9, p. 54-90, 2016. Disponível em: <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/5856>. Acesso em 13 set. 2021.


UNZER, Emiliano. História da Ásia. São Paulo: Editora Amazon, 2019.

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