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NOTÍCIA| Japão e Coreia do Sul: uma nova lógica de cooperação sob o comando de Fumio Kishida?

Recém-eleito, Fumio Kishida é aplaudido por apoiadores em uma sessão parlamentar extraordinária na Assembléia Geral. Tóquio, 4 de outubro de 2021. Foto: EPA / YONHAP

Redação e comentário crítico: Thomas Dias Placido (thomasdiasplacido25@gmail.com)Revisão especializada: Maurício Luiz Borges Ramos Dias (mauriciolbrdias@gmail.com)

No dia 29 de setembro, Fumio Kishida venceu as eleições presidenciais do Partido Liberal Democrático (LDP, na sigla em inglês), se tornando o primeiro-ministro do Japão oficialmente em uma sessão da Dieta – o parlamento japonês – em 4 de outubro. Considerado um político moderado, Kishida obteve a maioria dos votos no segundo turno eleitoral, ganhando do favorito Taro Kono (ex-chanceler e responsável pela campanha de vacinação contra a COVID-19 no país) por 257 votos contra 170. Em sua segunda tentativa de alcançar a liderança do partido, Kishida – que vem do primeiro distrito de Hiroshima – possui grande experiência tanto no governo como no partido, tendo servido como Ministro das Relações Exteriores entre 2012 e 2017 (o mais longo mandato no pós-guerra), Ministro da Defesa em 2017 – por apenas 6 dias – e chefe da Política Partidária do LDP. Entretanto, mesmo com uma bagagem profissional vantajosa, ele não terá uma missão simples pela frente, principalmente no que tange à agenda internacional, visto que o advento da pandemia trouxe consigo obstáculos para o desenvolvimento de relações firmes e benéficas entre os Estados ao redor do globo.

Com o fim do breve governo do ex-primeiro-ministro Yoshihide Suga – depois de apenas 1 ano no poder –, Fumio Kishida terá de lidar com um dos assuntos mais recorrentes na história moderna do Japão, adentrando novamente nas frias relações com seus vizinhos coreanos. Nesse sentido, sabe-se que o veterano muito provavelmente manterá uma linha comum em relação à capital Pyongyang, exigindo explicações pelas abduções de japoneses pelo regime norte-coreano nas décadas de 1970 e 1980, ao mesmo tempo que continua a negar novas desculpas a Seul pelos abusos cometidos durante o período colonial de 1910-45. As controvérsias em torno da época imperialista japonesa têm efeitos econômicos profundos entre Tóquio e Seul, que, ao se diferenciarem da disputa comercial entre EUA-China baseadas na propriedade intelectual e competição econômica, se fundamentam sobretudo em vieses humanitários e políticos. Apesar disso, Kishida teve um papel central ao intermediar o “Acordo das Mulheres de Conforto” entre o governo sul-coreano – na época comandado pela presidenta Park Geun-hye – e o japonês em 2015, onde Tóquio consentiu em enviar compensações financeiras às ex-mulheres de conforto remanescentes.

De acordo com o The Korea Times, com uma situação cada vez mais desgastada no Leste Asiático pelo crescimento chinês e o programa nuclear norte-coreano, entende-se a necessidade de que as relações entre Tóquio e Seul mudem de curso de forma que consigam trabalhar conjuntamente para manter a estabilidade e a segurança da região. Desse modo, o caso sul-coreano se configura como estratégico em diversas áreas, exigindo do premiê japonês cautela com a situação que está em seu nível mais crítico desde a normalização das relações bilaterais em 1965. As inimizades foram impulsionadas em 2017 quando o atual presidente sul-coreano, Moon Jae-in, desaprovou o supracitado Comfort Women Agreement em sua campanha eleitoral, o que continuou em seu discurso político até recentemente. Os ânimos voltaram a aumentar em 2018, quando decisões judiciais da Suprema Corte sul-coreana exigiram que as empresas japonesas Nippon Steel & Sumitomo Metal e Mitsubishi Heavy Industries LTDA pagassem compensações às vítimas de trabalhos forçados durante os anos finais da colonização.

Como resposta, em julho de 2019, o governo japonês estabeleceu sanções comerciais na exportação de certos produtos químicos importantes para a economia sul-coreana, que afetam as cadeias de suprimentos de semicondutores e telas digitais e consequentemente as vendas de gigantes tecnológicas como Samsung Electronics e SK Hinyx. As relações diplomáticas sofreram mais um golpe ainda em agosto do mesmo ano, com a ameaça de não renovação, pela Coreia do Sul, do Acordo Geral de Segurança das Informações Militares (GSOMIA) com o Japão, o mesmo que permitia aos dois países compartilharem informações sobre as atividades nucleares da Coreia do Norte e se alinharem defensivamente.

Entretanto, desde janeiro de 2020, Seul vem sinalizando ativamente sua disponibilidade em restabelecer boas relações com Tóquio, dado que Moon voltou atrás e afirmou em uma conferência que o acordo de 2015 representa um interesse formal entre os dois lados. Destaca-se que o novo governo de Kishida possui mais oportunidades de cooperação do que o de seus predecessores Yoshihide Suga e Shinzo Abe, visto que o tom moderado irá de certa forma prevalecer em relação aos impulsos da direita japonesa. De acordo com Paul Tyson, diplomata aposentado dos EUA e professor na New England College, em entrevista ao jornal The Korea Times, o governo sul-coreano deve usar as antigas negociações do chanceler – na época Ministro das Relações Exteriores no governo de Shinzo Abe – com sabedoria, uma vez que elas são de suma importância para analisar o perfil do recém primeiro-ministro e possivelmente seus movimentos futuros. Outrossim, ao lidar com o LDP, o diplomata ressalta que a permanência de alguns ministros conservadores no gabinete de Kishida – e, portanto, ligados a Abe – não deve necessariamente ser interpretada como uma afronta às chances de cooperação, já que o primeiro-ministro precisa garantir o suporte das facções conservadoras nas eleições gerais no final de outubro, podendo alterar as nomeações assim que as eleições finalizarem. Tyson ainda afirma que as afinidades com o Ministério das Relações Exteriores do Japão podem permanecer otimistas se houverem reordenações nos cargos dos ministros e secretários dos dois países, possibilitando uma nova lógica de negociações com um time de oficiais renovado.

Moon Jae-in enviou uma carta de felicitações ao premiê no dia 4 de outubro de 2021, e na sexta-feira, dia 8 de outubro, o chefe de Governo apresentou seu primeiro discurso político na Dieta. Assim, voltou a frisar o papel da cooperação trilateral entre Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos na contenção dos avanços nucleares norte-coreanos e mencionou a importância do vizinho sul-coreano para a região, embora tenha decretado que o governo de Moon tome medidas apropriadas conforme a “posição consistente” do Japão. Kuni Miyake, diplomata de carreira e conselheiro do gabinete do primeiro-ministro, dissertou sobre a atual “ansiedade de Seul”, argumentando que a mídia sul-coreana talvez esteja se precipitando em relação ao que algumas ações de Kishida e a política “consistente” japonesa significam para a colaboração entre os dois países, com alguns jornais – como o liberal Hankyoreh e o conservador JoongAng Ilbo – criticando veementemente a demorada reunião telefônica entre os dois líderes, que aconteceu na última sexta-feira, 15 de outubro, 11 dias após Kishida tomar posse. Sabe-se que durante os 30 minutos da ligação, os pontos positivos se estabeleceram em novos esforços para manter as “comunicações e dinâmicas consultivas”, enquanto o único acordo foi na verdade discordar sobre os mesmos assuntos históricos debatidos há décadas.

O caminho ainda permanece acidentado na ocasião doméstica entre Japão e a Península Coreana. Com demonstrações que desgastam ainda mais os laços entre as duas regiões – seja com a visita, no domingo, dia 17 de outubro, de membros do gabinete de Kishida ao templo Yasukuni (famoso por reverenciar criminosos de guerra e soldados japoneses) e o envio de oferendas pelo próprio primeiro-ministro ou aos recentes lançamentos de mísseis pelo lado norte-coreano, com o último acontecendo no dia 19 de outubro, terça-feira – muito provavelmente as relações bilaterais e trilaterais ainda permanecerão em um tom abrasivo.

Nesse sentido, ainda que o lado sul-coreano busque diálogo, a grande chance para o Japão de agenciar uma mudança significativa nas relações diplomáticas com aquele país se instala nas eleições sul-coreanas em maio de 2022, já que o Japão apresenta sinais de fadiga em relação à questão extensivamente debatida sobre a atuação japonesa na colonização. Consequentemente, no restante dos 8 meses na dianteira de Seul, entende-se que Moon Jae-in poderia melhorar a coparticipação em relação aos problemas mútuos dos dois países, como a COVID-19 e a mudança climática, focando em desenvolver novas bases de atuação para o futuro governo. Já para Fumio Kishida, destaca-se a possibilidade de cooperação japonesa com os vizinhos coreanos e os Estados Unidos, em especial considerando a recente abertura de Pyongyang aos esforços sul-coreanos e de Washington. Ademais, apesar de ásperas memórias e interpretações díspares no que tange ao seu passado histórico, somados à dificuldade de Tóquio em manter o reconhecimento de suas violências coloniais perpetradas e, também, de Seul considerar o posicionamento japonês como sincero, se os líderes japoneses e sul-coreanos finalmente firmarem seus laços, os benefícios necessariamente irão alcançar outros patamares, fomentando o reconhecimento mútuo e contribuindo para o desenvolvimento dessa relação bilateral.

REFERÊNCIAS:

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