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SÉRIE | Pernambuco e o Japão: o iatê dos fulniôs de Águas Belas e a língua japonesa

Escrita por Rafael Cavalcanti Lemos, a série de textos “Pernambuco e o Japão”, promete através de textos breves, traçar uma interessante aproximação entre o País do Sol Nascente e esse famoso estado Nordestino.

A série é composta por 3 textos, os quais já foram publicados no Jornal O Diário de Pernambuco na seção Opinião, e tratam dos seguintes temas: A embaixada brasileira em Tóquio, a migração japonesa no Brasil e a importância do escritor recifense Oliveira Lima nas relações Brasil-Japão; uma aproximação entre a língua falada pelos fulniôs, uma das poucas línguas nativas ainda existentes no nordeste, o iantês, e os japonês; e, por fim, a apreensão do baião, ritmo característico do nordeste, pelo Japão, através do baião Japonês de Keiko Ikuta.

O segundo texto da série nos conta a interessante aproximação entre a língua japonesa e o iatê, dos fulniôs (palavra que significa índios agrupados na beira do rio) de Águas Belas, município a 314km do Recife.

Texto por: Rafael Cavalcanti Lemos, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco) e membro da Curadoria de Assuntos do Japão.

Colagem: Assucena Maria (assucena.ms@hotmail.com). Foto: Daniel Caron/FAS.

Em 1543 deu-se o primeiro contato duradouro dos japoneses com ocidentais: o Império Português, que algumas décadas antes aportara em praias brasileiras, chegava (por seus súditos Antônio da Mota, Francisco Zeimoto e Antônio Peixoto) também ao Japão (como em 1572 nos conta – ou canta – Camões na estrofe 131 do canto X d’Os Lusíadas), tendo os portugueses ali permanecido até sua expulsão em 1639. Foram chamados “namban” (“bárbaros do sul”) e – escreveu em 1606 Bunshi Nambo – tinham “o hábito de vagar de lugar em lugar, permutando as coisas que têm pelas que não têm” (algumas das que tinham foram as primeiras armas de fogo no Japão).

Diversas palavras da língua portuguesa incorporaram-se entrementes à japonesa: dentre outras, “frasco” tornou-se “furasuko”; “gibão”, “juban”; “capitão”, “kapitan”; “cristão”, “kirishitan”; “Cristo”, “Kirisuto”; “confeito”, “konpeitô”; “pão”, “pan”; “sabão”, “shabon”; “tabaco”, “tabako”.

A gramática e o dicionário de japonês em língua ocidental mais antigos foram redigidos em português pelos jesuítas (aquela por João Rodrigues, intitulada “Arte da língua do Japão”) nos primeiros anos do século XVII.

O iatê, falado pelos fulniôs na agrestina Águas Belas, é a única língua nativa do Nordeste brasileiro sobrevivente fora do Maranhão. Os primeiros registros conhecidos sobre os fulniôs (referidos como “carnijós”) deram-se no início do século XVIII.

Parecenças entre a língua iatê e a japonesa foram descobertas pelo então mestrando Araken Guedes Barbosa ao lhes comparar o vocabulário. Como se lê do Jornal do Brasil em 22 de abril de 1989, “[a] pesquisa de Araken Barbosa começou a partir do estudo ‘Estrutura da língua iatê’, do professor pernambucano Geraldo Lapenda. […] [O]s fonemas e os sentidos são quase idênticos em iatê e em japonês”.

Segundo Geraldo Lapenda, “[o]s fulniôs teriam chegado aqui em tempo relativamente recente, porque deles não há traços toponímicos nem vestígios de nomes de animais, de árvores, de comidas, de utensílios, etc. no português regional (o que não sucede com o cariri e principalmente com o tupi), e sua língua quase nenhuma influência recebeu das nações indígenas que já habitavam a região, e, por outro lado, em nada influiu nelas”.

Embora japoneses (possivelmente milhares) tenham sido escravizados pelos portugueses e já em 1573 se hajam mesmo casado entre si (ano em que Jacinta de Sá e Guilherme Brandão, japoneses apesar dos nomes, uniram-se em matrimônio em Lisboa), não se sabe que algum deles (japoneses escravizados) haja sido trazido ao Brasil. As semelhanças entre o iatê (e outras línguas ameríndias) e o japonês decorreriam portanto de migração antiga da Ásia à América do Sul, não necessariamente do Japão, que teria sido também destino migratório a partir da Sibéria.

Confira a primeira parte e a última parte da série!

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