Tradução e comentário crítico: Suéllen Gentil
Uma pequena obra esquecida no tempo escrita por Yukio Mishima (1925-1970) aos 20 anos, no início de sua carreira como romancista, veio a público novamente, após mais de 70 anos.
Intitulado “Koibumi” (Carta de Amor), o conto foi escrito pelo autor, aclamado internacionalmente, em 1949 para um jornal. Sua existência era desconhecida por especialistas da literatura e, por isso, não foi incluso nas compilações dos trabalhos do autor.
“Koimubi” de Yukio Mishima, publicado no Jornal The Asahi Shimbun, em outubro de 1949.
Foto: Arquivo Asahi Shimbun
A revista literária mensal Shincho publicou a obra recém descoberta em sua edição de abril.
Mishima foi um dos maiores escritores do Japão e é considerado um dos principais candidatos ao Prêmio Nobel de Literatura.
O conto se inicia com um homem que, durante um jantar social, ao pegar um lenço em seu bolso, descobre uma carta. Ele não fazia ideia de como ou quando a carta foi parar ali. “Esperarei por você amanhã, às 17h, na frente do PX”, dizia a carta, sem revelar a identidade de quem a escreveu, apesar de haver indícios de ter sido escrita por uma mulher.
Yukio Mishima. Foto: Domínio publico
PX, ou post exchange, faz menção às lojas de varejo localizadas nas instalações militares que inauguraram no Japão com a ocupação das forças aliadas, após sua derrota na Segunda Guerra Mundial.
Saito Masao, professor de literatura japonesa da Universidade de Osaka, foi o responsável pela descoberta da obra, em Fevereiro, e afirma que o conto, cujo enredo gira em torno da misteriosa carta, revela que as notáveis habilidades literárias de Mishima estão presentes mesmo em seus primeiros anos como escritor.
“O texto descreve as condições das famílias japonesas nos anos após a guerra, uma alusão a situação do Japão sob ocupação”, explica.
O texto foi publicado na edição do jornal Asahi Shimbun de Osaka e na edição Seibu, que faz cobertura da região Kyushu, no dia 30 de outubro de 1949, como parte de um projeto intitulado “Romances de 400 personagens”.
O autor tinha 24 anos quando a história foi publicada. Ele continuou a publicar seus romances mesmo depois de se juntar ao que, atualmente, seria o Ministério da Economia, após se formar na Universidade de Tokyo, em 1947.
Em 1948, retirou-se do ministério para trabalhar como escritor em tempo integral. Em Julho do ano seguinte, publicou o romance Confissões de uma Máscara, que, imediatamente, o transformou na sensação do mundo literário japonês.
A publicação do conto de Yukio Mishima, pseudônimo de Kimitake Hiraoka, se torna ainda mais relevante quando se coloca em perspectiva a preservação do patrimônio cultural do Japão.
A sociedade recebe não apenas um grande texto literário, contendo as grandes habilidades do autor, dentre essas – senão, a maior delas – a de transbordar as páginas físicas do livro, refletindo a persona pública que Mishima criou para si, mas também um registro vivo de um Japão vivendo os efeitos de uma guerra mundial. Essa capacidade de trazer a palavra literária para uma dimensão quase física é descrita por Lucas Aguiar, integrante do Clube do Livro de Leitura Japonesa Leonardo Ferraz, em sua resenha crítica sobre o conto Patriotismo, outra grande obra do autor.
Como afirma Maria Beatriz Setubal de Rezende Silva em seu texto Patrimônio e Literatura, o viés literário aprofunda o conhecimento das práticas discursivas em torno do patrimônio cultural, pois abrange as dimensões poéticas e sensíveis que, pela expressão artística, diversifica as interpretações de contextos tradicionalmente históricos.
Sendo assim, a publicação do conto “Koibumi” possibilitará novos entendimentos da sociedade japonesa durante o período de ocupação das forças aliadas, ampliando e preservando as lembranças histórico-culturais de um período marcante do país.
Fontes:
YAMAZAKI, Satoshi. Mishima’s long-lost short novel headed for print after 72 years. 2021. Disponível em: http://www.asahi.com/ajw/articles/14325809. Acesso em: 03 abr. 2021.
FUNDAÇÃO JAPÃO (São Paulo) (org.). Redescobrindo Yukio Mishima. Catálogo digital. Disponível em: https://fjsp.org.br/wp-content/uploads/2019/05/catalogo-mishima-v13a-digital.pdf?fbclid=IwAR1Rd0F5tlII-iaHZ8TSfkuxM3L84p578FWUGB9WDNzAp2ucwxdNADH_uLo. Acesso em: 18 abr. 2021.
SILVA, Maria Beatriz Setubal de Rezende. Patrimônio e literatura. In: PEREZ, Carmen Lúcia Vidal; TAVARES, Maria Tereza Goudar; ARAðJO, Mairce da Silva (org.). Memórias e Patrimônios: experiências em formação de professores. Rio de Janeiro: Eduerj, 2009. p. 65-81. Disponível em: https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1078678/mod_resource/content/1/SILVA%20-%20Patrimonio%20e%20literatura.pdf. Acesso em: 18 abr. 2021.
AGUIAR, Lucas. Sobre Patriotismo de Yukio Mishima. 17 abr. 2021. Resenha Crítica. Instagram: @clljlf. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CNyTuEflXrV/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em: 20 abr. 2021.
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