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SÉRIE | Pernambuco e o Japão: Oliveira Lima, a embaixada brasileira em Tóquio e a imigração japonesa no Brasil

Escrita por Rafael Cavalcanti Lemos, a série de textos “Pernambuco e o Japão”, promete através de textos breves, traçar uma interessante aproximação entre o País do Sol Nascente e esse famoso estado Nordestino.

A série é composta por 3 textos, os quais já foram publicados no Jornal O Diário de Pernambuco na seção Opinião, e tratam dos seguintes temas: A embaixada brasileira em Tóquio, a migração japonesa no Brasil e a importância do escritor recifense Oliveira Lima nas relações Brasil-Japão; uma aproximação entre a língua falada pelos fulniôs, uma das poucas línguas nativas ainda existentes no nordeste, o iantês, e os japonês; e, por fim, a apreensão do baião, ritmo característico do nordeste, pelo Japão, através do baião Japonês de Keiko Ikuta.

O primeiro texto da série, intitulado “Oliveira Lima, a embaixada brasileira em Tóquio e a imigração no Brasil”, nos conta como o nordeste, principalmente através da figura do escritor recifense Manuel de Oliveira Lima, escritor de “No Japão” (1903), foi importante para a relação diplomática Nipo-Brasileira.

Texto por: Rafael Cavalcanti Lemos, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco) e membro da Curadoria de Assuntos do Japão.

Colagem: Assucena Maria (assucena.ms@hotmail.com)

Encontra-se na praça recifense Governador Paulo Guerra um marco alusivo aos cem anos, em 2008, de imigração japonesa ao Brasil.

Muitos conhecem dentre nós o Japão apenas como o país da delicadeza e da tecnologia. Um país distante. Fisicamente distante embora, histórica e culturalmente mais próximo dos pernambucanos do que se ordinariamente concebe.

Há na capital pernambucana uma Associação Cultural Japonesa (ACJR) fundada em 1972, ali funcionando a Escola de Língua Japonesa do Recife, atualmente com aulas on-line para todas as idades. A ACJR promove todo ano no bairro do Recife Antigo a Feira Japonesa do Recife, que teve a sua 24ª. edição em 2020 (apenas on-line em razão da pandemia do novo coronavírus).

Desde 2018 o Consulado-Geral do Japão no Recife, cuja área de atuação abrange quase todo o Nordeste (exceto Maranhão e Piauí), coopera, ofertando treinamento, com a Polícia Militar de Pernambuco na implementação do policiamento comunitário “kōban” em nosso estado: pequenas unidades policiais de bairro buscando aproximar-se das comunidades em que instaladas por meio de atividades conjuntas (o que aumenta a confiança da sociedade civil nos policiais militares) além de patrulhas a pé e visitas (sendo deste modo mais rápido o atendimento em situações de emergência).

Foi Hermilo Borba Filho, pernambucano de Palmares (cidade natal de minha mãe, Dorinha, antes de que houvesse sido criado o município de Joaquim Nabuco), quem redigiu o prefácio de “Lendas do Japão”, de Kikuo Furuno, livro impresso em Tóquio com distribuição no Brasil, traduzido ao português por José Yamashiro. Conta-nos Hermilo: “Naquele distante ano de 1927, em Palmares, uma cidade açucareira na zona sul de Pernambuco, um casal de italianos que havia enriquecido soldando tachos viajou para a Itália e voltou, passados alguns meses, com uma porção de novidades para nossos olhos de crianças fechadas entre o rio e as montanhas. Havia uns cartões-postais com mulheres de olhos repuxados à sombra de cerejeiras, casas esquisitas meio parecidas com bolos de noiva e guerreiros de má catadura, grandes espadas à cinta: era o Japão. Depois, nos acostumamos a ouvir nomes complicados e sem grande significação aparente: samurai, ‘gueisha’, haraquiri. Todas estas palavras, porém, estavam carregadas de uma atmosfera poética e nos transportavam para uma terra de legenda. Chegamos a improvisar brincadeiras de aventuras onde os japoneses entravam por conta de uma fita em série que estava sendo levada no cineminha local: ‘O homem dos olhos de vidro’. Com o passar dos anos aprendemos que o Japão era uma nação tão importante quanto outras, porém jamais conseguimos esquecer o halo poético que envolvia aquelas palavras aprendidas na primeira infância”.

E o primeiro autor a publicar um livro exclusivamente sobre o Japão (intitulado “No Japão: impressões da terra e da gente”) foi o recifense Oliveira Lima. Para o sociólogo Renato Ortiz, “[c]omparado ao texto de Chamberlain (‘Things of Japan’), pai fundador da japonologia em língua inglesa, ele [o texto de Oliveira Lima] é indubitavelmente superior. […] Oliveira Lima trabalha a tradição para melhor enxergar o presente e o futuro. Seu sentido de antevisão é brilhante. […] ‘No Japão’ coloca uma interrogação para as ciências sociais brasileiras. Como foi possível esquecê-lo? Quem sabe a riqueza e o universalismo do texto sejam justamente a razão deste esquecimento. Oliveira Lima escreve num momento em que o pensamento brasileiro se interessava apenas pela identidade nacional.” (Folha de São Paulo de 13 de setembro de 1997).

Dois anos após a publicação, a representação diplomática brasileira em Tóquio foi (graças à contribuição de Oliveira Lima, segundo o economista Paulo Yokota em introdução à edição de 1997) elevada à categoria de embaixada. Cinco anos depois daquela (publicação), chegou a primeira leva oficial de imigrantes japoneses ao Brasil. Oliveira Lima morou no Japão de 1901 a 1903. O que veio a tornar-se livro era inicialmente um relatório elaborado para o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Como afirma Bernardino da Cunha Freitas Abreu em dissertação de mestrado defendida em 2008 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, “primeiro, ainda ao chegar ao Japão, o historiador-diplomata [Oliveira Lima] constatou que o status hierárquico e operacional (ou seja, sua dotação orçamentária) da representação brasileira em Tóquio havia sido reduzido por conta da miopia de um Congresso nacional mesquinho, que refletia os interesses de um governo que só respeitava quem estivesse procurando (e com disposição a pagar caro) por sacas de café, de açúcar ou rolos de tabaco, e que, ironicamente, por conta da recente mudança jurídica de regime político-administrativo julgava-se idealisticamente situado entre as nações que ocupavam uma posição de vanguarda no desenvolvimento da civilização humana; e tomou a iniciativa de corrigir tal situação perante o Ministério das Relações Exteriores. Em segundo lugar, durante o período em que se encontrava no Rio de Janeiro, Oliveira Lima proferiu diversas palestras, onde resumiu em algumas destas as informações que transmitira de forma mais extensa em seus ofícios ao Ministério e nas páginas de ‘No Japão – Impressões da terra e da gente’; o conteúdo destas palestras seria publicado neste mesmo ano, na obra ‘Cousas diplomáticas’. […] Oliveira Lima, através de ‘No Japão – Impressões da terra e da gente’ contribuiu, de forma pioneira, para o surgimento de um novo ponto de vista, por parte do Estado e do público brasileiros acerca do país que viria, meio século mais tarde, a constituir a segunda maior economia do mundo capitalista e que viria a formar no território brasileiro a maior comunidade de migração nikkei do planeta”.

Referências:

a) LIMA, Oliveira. No Japão: impressões da terra e da gente. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Laemmert & C., 1903.
b) LIMA, Oliveira. No Japão: impressões da terra e da gente. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
c) FURUNO, Kikuo. Lendas antigas do Japão. Tokio: [s.n., 19–].
d) ABREU, Bernardino da Cunha Freitas. Oliveira Lima: um olhar brasileiro no Japão. Dissertação (mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2008. Disponível em: <https://www.bdtd.uerj.br:8443/bitstream/1/13107/1/Oliveira%20Lima%20Japao.pdf>. Acesso em: 22 set. 2021.
e) ORTIZ, Renato. O olhar do viajante. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 set. 1997. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/9/13/caderno_especial/9.html>. Acesso em: 22 set. 2021.

Confira a parte 2 e a parte 3 da série!

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